Félix os convidados para a ceia do miúdo
Percebe-se que Rui Vitória não é homem para adorar discutir táticas, estratégias, porque as respostas que dá são despachadas e algumas vezes desprovidas de conteúdo. Dá também a sensação de que Vitória leva a mal que lhe perguntem por essas coisas; reage na defensiva, como se estivesse a ser atacado, o que em boa medida se compreende, pois criou-se a ideia generalizada de que é mais um guru motivador do que o treinador com rasgo. Injusto ou não, é o que é, e Vitória está condenado a conviver com isto.
Mas há algo que é inegável em Rui Vitória: tem zero problemas em lançar os que acha serem os melhores, mesmo que sejam rapazes imberbes com pouca rotação - correção, sobretudo quando são rapazes imberbes com pouca rotação. Sucedeu com Guedes e com Renato, e é assim com Gedson e agora com João Félix. Ser-se puto da criação tem uma vantagem: o público gosta e aplaude e entusiasma-se, mesmo quando se perdem bolas ingénuas, e a Félix, que se estreou a titular contra o Desportivo das Aves, aconteceu-lhe duas ou três vezes nas vezes em que esteve em ação. Em todas as outras, correu-lhe praticamente tudo bem.
Félix é um talento irreverente, insolente até, que não tem medo de amortecer a bola com o tornozelo, de fazer uma cueca e um elástico na mesma jogada como se estivesse na rua, que olha para o campo e para os colegas enquanto recebe o passe, e que acabou por marcar um notável golo de pé esquerdo na cara do guarda-redes.
Houve momentos que pareceu haver um contágio gerado por Félix, com Jardel ou André Almeida a tentarem a sua sorte com dribles embaraçosos, embora Salvio tenha sido o mais atingido por este efeito. O argentino, que tem a peculiaridade de perder e de ganhar no 1x1 sem que ninguém perceba muito bem o que se passou, executou uma bonita finta e chutou de pé esquerdo depois do golo de João Félix - foi ao poste, mas ficou a intenção. Antes disso tudo, já o Benfica tivera oportunidades de golo por Seferovic, em versão utilitário, e Pizzi, a pensar o jogo ao lado do robusto Gabriel, a outra surpresa no onze.
[Gedson ficou no banco: um puto é bom, dois talvez seja um desatino]
Obviamente, é preciso dar um ligeiro contexto: o Desportivo das Aves é uma equipa frágil, penúltima do campeonato, com apenas quatro pontos somados e três golos marcados; acresce o facto de ser treinada por um homem que perdera os últimos nove jogos contra os encarnados. Exemplo: só ao minuto 44 é que deu trabalho a Vlachodimos, que defendeu para canto um remate perigoso de Elhouni.
Depois, veio o intervalo. E pouco depois disso, veio a lesão de João Félix que torceu o pé num apoio mal calculado. Para o seu lugar entrou Cervi que fez o 2-0 numa das primeiras vezes que tocou na bola: como vem nos livros, o lateral (Almeida) subiu na linha, cruzou para trás e alguém marcou. Foi um golo estranho, porque o argentino rematou de pé direito, o que normalmente corre mal, e a bola bateu num adversário, ao que se convencionou chamar de chouriço.
Não que o Benfica não merecesse, porque apesar de alguma vontade do Desportivo das Aves, os a equipa de Vitória foi sempre controladora e dominadora. Neste particular, nota para Gabriel, que começou o jogo timidamente, a perceber onde e como devia fazer o seu serviço, para subir no terreno, impondo o físico e a potência. Quando o resultado estava trancado, o brasileiro foi aparecendo na carreira de tiro, juntando-se ao regressado Jonas (substituiu Salvio) que por sua vez se juntou a Seferovic lá à frente.
Até final, o encontro foi naturalmente amolecendo, ainda que se devam destacar o cotovelo (mais um) de Rúben Dias na cara do ex-encarnado Derley, e uma bola impecavelmente picada por Jonas sobre um adversário para fechar simbolicamente o Benfica-Desportivo das Aves.
FONTE: TribunaExpresso