Bruno pontapeia portas, Vieira prefere pescoços
«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».
Os culpados somos nós, jornalistas. Chegados a este ponto - provavelmente de não retorno -, em que um pontapé numa porta tem o mesmo bruaá mediático de um agarrar de pescoço, o que nos resta?
Respirar fundo, ganhar juízo e falar das coisas como elas são.
Bruno Fernandes foi expulso perto do fim de um jogo de futebol, com níveis de adrenalina altíssimos e o coração de um ciclista em ascensão ao Tourmalet.
Só quem nunca jogou à bola, a um nível profissional/semi-profissional ou amador, é que pode condenar com a veemência de um líder religioso a reação do capitão leonino.
Bruno sentiu o que eu senti centenas de vezes: a frustração do esforço inútil. Correr, lutar, dar tudo o que temos e acabar sem nada. Vazios. É humanamente impossível exigir uma reação racional e ponderada num contexto destes.
Pontapear uma porta merece um aplauso? Não, mas merece as palavras adequadas no momento da condenação. Bruno é o que de mais evidente resta do coração de leão, da alma dos Cinco Violinos. Não lhe exijam sangue frio e modos cavalheirescos ao sair machucado de um acidente.
Eu, que nunca fui propriamente um santo em campos de futebol, percebo e relativizo a reação de Bruno Fernandes no Bessa.
Querer comparar este desabafo (excessivo) de um futebolista à agressão do presidente do Benfica a um sócio numa AG do clube só pode ser, vou ser simpático, um equívoco movido pela clubite.
Uma AG não é uma entrevista desinfetada ou um comício de populismo esquizofrénico. É um espaço democrático, de contraditório, onde os sócios têm o direito/dever de exprimir dúvidas, opiniões, balanços e estados de alma.
O que significa ver um dirigente com a tarimba de Vieira perder a cabeça com um associado do clube a que preside, em plena AG? Significa que há consequências graves e um preço a pagar pelo desgaste e vexames a que o nome Benfica tem sido sujeito em tribunais. Populares e judiciais.
Vou ser claro: qualquer associado com um QI razoável percebe que há algo de muito estranho quando as juras de domínio intergaláctico de Vieira, pessoais e intransmissíveis, acabam sempre com um rotundo deserto de pontos na Liga dos Campeões.
PS: Luís Filipe Vieira teve a oportunidade de pedir desculpas a todos os benfiquistas esta segunda-feira, no embarque da comitiva para a Rússia. Não o fez e ainda reagiu com brusquidão à pergunta feita por um jornalista.
Nenhum presidente é dono de um clube, nenhum presidente pode estar acima da lei e do julgamento dos seus associados. O escudo que rodeia o cargo, seja em que instituição for, não dura para sempre.
FONTE: MaisFutebol