Messi, ou como a história continua
A história continua e promete não ficar por aqui. O triunfo de Lionel Messi, pela primeira vez em quatro anos, voltou a centrar o foco num dos dois incríveis dominadores do futebol mundial na última década e meia. Depois do intervalo que foi a vitória de Luka Modric como melhor jogador do ano para a FIFA na época passada, Messi foi o «The Best» este ano. Tornou-se o mais premiado de sempre, passou a ter mais um troféu de melhor do mundo do que Cristiano Ronaldo. Seis para cinco. São contas só deles e o tempo deles ainda não passou.
Claro que vai passar, é a lei natural, mas por enquanto o resto do mundo ainda está num plano abaixo. É assim desde 2008, com a exceção de 2018 e com vantagem de Cristiano Ronaldo, que não esteve presente na cerimónia em Milão, nos dois anos anteriores. Ainda que este não fosse o ano mais previsível para um triunfo de um deles. O anúncio pareceu ter surpreendido até a realização da gala da FIFA. Quando Gianni Infantino, o presidente da FIFA, se preparava para dizer o nome do vencedor, a câmara focou Virgil Van Dijk, até mudar rapidamente de plano quando se ouviu «Lionel Messi».
O defesa holandês que foi o patrão da defesa do Liverpool na caminhada para o título europeu e capitão da Holanda na final da Liga das Nações, perdida para Portugal, era dado como favorito por muitos analistas, ia à frente também nas apostas. Mas o próprio Van Dijk, terra a terra, já em junho punha as coisas em perspetiva, em declarações ao Maisfutebol: «Não penso de todo na Bola de Ouro. Não acho que mereça. Há pessoas que tomam essa decisão, não eu. Mas, tal como já disse, Messi é o melhor jogador do mundo. É a minha opinião.»
Coletivo, individual, talento, em que ficamos?
É de opiniões que se fala num prémio destes? Se não, é de quê então? A discussão à volta da atribuição de um prémio individual circunscrito a um período de tempo num desporto coletivo é circular, provavelmente uma contradição insolúvel. O que deve valorizar-se mais, entre troféus, desempenho e talento?
Um rápido exercício para os três finalistas. Coletivo.
Messi, o vencedor deste ano, foi campeão e venceu a Supertaça de Espanha com o Barcelona, foi terceiro na Copa América com a Argentina e chegou às meias-finais da Liga dos Campeões. Van Dijk, o segundo no prémio da FIFA, ganhou a Liga dos Campeões, foi finalista da principal prova de seleções da época, uma estreante Liga das Nações, ganhou a Supertaça Europeia e terminou no segundo lugar da Liga inglesa, numa época incrível em que o Liverpool fez 97 pontos mas ficou atrás do Manchester City, que fez 98. E Cristiano Ronaldo, que ficou em terceiro, ganhou o campeonato e a Supertaça de Itália com a Juventus, venceu a Liga das Nações com Portugal e chegou aos quartos de final da Liga dos Campeões.
E agora, desempenho individual.
Messi fez 58 jogos na época passada, entre clube e seleção. Marcou 54 golos, 51 dos quais pelo Barcelona. Foi melhor marcador da Liga espanhola e melhor marcador da Liga dos Campeões, ganhou a Bota de Ouro para o maior goleador da Europa pela sexta vez. Cristiano Ronaldo fez 47 jogos e marcou 31 golos, 28 dos quais pela Juventus, naquela que foi a sua época menos goleadora em dez anos. Van Dijk, que foi eleito o melhor jogador da UEFA em 2018/19, foi dos três quem mais jogou. 59 partidas, nove golos. Só isto? Claro que não. Muito do que fez não é mensurável em números e estatísticas que dão nas vistas, o que começa logo por ser uma das perversidades destas análises.
Não é à toa que a própria presença de Van Dijk entre os três finalistas já foi um caso singular. Desde que Fabio Cannavaro ganhou o prémio de melhor do mundo em 2006, quando a Itália foi campeã do mundo, só por uma vez um defesa ou guarda-redes chegou a finalista do troféu: o guarda-redes Manuel Neuer em 2014, também no ano em que a Alemanha venceu o Mundial.
A ideia de melhor jogador do mundo tende precisamente a valorizar os jogadores que decidem, que fintam e marcam golos. E a valorizar talento e qualidade, coisas que não são ciência nem estatística.
Portanto, a discussão anda nisto, e alimenta-se a cada novo prémio. Polarizada num tempo em que coexistem dois jogadores fora de série como Messi e Cristiano Ronaldo, que ainda não estão dispostos a ceder o palco. Para Messi, esta foi a primeira vitória no The Best, o troféu que a FIFA voltou a atribuir a solo desde 2016, depois de seis anos em conjunto com a France Football, que continua a promover o seu troféu de melhor do mundo. Lá para dezembro teremos portanto a Bola de Ouro, e portanto todo este debate a repetir-se, para quem ainda está disposto a fazê-lo.
A consagração de Rapinoe e o racismo e a discriminação ao microfone.
Para lá do melhor jogador, a gala da FIFA atribuiu muitos outros prémios. E foi para lá do futebol. O «The Best» deu à consagração da melhor jogadora a palavra final e Megan Rapinoe, que foi protagonista da vitória dos Estados Unidos no Mundial feminino, não perdeu a oportunidade. Uma voz do futebol a falar sobre o mundo.
Ela foi a última a subir ao palco, já depois de Messi, e aproveitou para fazer um discurso a apelar ao potencial do futebol para assumir um papel mais ativo na sociedade. Falou de vários combates: ao racismo no desporto, usando os exemplos de Sterling ou Coulibaly, à discriminação das mulheres, lembrando a ativista iraniana que se imolou pelo direito das mulheres a irem aos estádios, ou à homofobia, um tema pessoal para Rapinoe.
Antes, também Infantino tinha falado nalguns desses temas, lamentando novo episódio de racismo este fim de semana em Itália, que envolveu Dalbert, da Fiorentina, isto depois de a FIFA ter anunciado que tinha obtido garantias do Irão sobre a entrada de mulheres no estádio.
FONTE: MaisFutebol