“Antes de mim, as claques do Sporting fumavam de tudo no avião da equipa. Não fiz como Vieira, que nunca 'sube' de nada”

Este é um excerto da entrevista de Bruno de Carvalho ao Expresso que não coube na edição do passado sábado. O ex-presidente do Sporting irá ser ouvido na quarta-feira, no âmbito do processo de Alcochete, e no sábado os sócios leoninos votarão a sua expulsão de sócio em Assembleia Geral.

Conheceu o hacker Rui Pinto?

Não. Não tive contacto direto, nem indireto. Nem nunca me quiseram fazer esse contacto. Até ele ser apanhado nem sabia quem era a pessoa.

Há quem o considere um pária e quem o considere um herói. Qual a sua opinião sobre ele?

Acho que o serviço que ele fez é muito útil. A polícia devia usar os seus serviços e não condená-lo. O Rui Pinto que entrou nos e-mails de toda a gente já deve ter dado muita informação minha. Estou a brincar. A foto em que se viu [do Nuno Saraiva então diretor de comunicação do Sporting a sair de uma discoteca na Hungria para um alegado encontro com Rui Pinto] foi tirada numa altura em que o Sporting foi jogar à Hungria para inaugurar o estádio do MTK.

Se calhar o Sporting tinha uma boa firewall…

Não tinha nada uma boa firewall. Uma empresa foi lá demonstrar que aquilo era uma grande porcaria.

Como era possível que uma claque do Sporting tenha sido liderada tantos anos por uma pessoa indiciada por tráfico de droga. E que nas buscas da GNR à casinha tenha sido encontrada cocaína? Isto não envergonha um clube como o Sporting?

Nunca aconteceu entrarem pelas sedes das claques do Sporting e descobrirem um nível de droga e de armamento do que se descobriu na casinha dos No Name. E armamento pesadíssimo. Não eram quantidades ínfimas de consumo. Era droga a valer. Isso preocupa-me muito. A resposta do presidente do Benfica é que nunca ‘sube’. “Nunca ‘sube’”. Não ‘subia’ que havia claques… Perante isso, as claques do Sporting são um orgulho.

E a dívida das claques que subiu exponencialmente?

É tão fácil explicar isto. Estas figuras que estão lá dentro fizeram um grande show off disto. Quando lá cheguei o Sporting tinha sido condenado pelo incêndio no estádio da Luz. Meio milhão de euros. Chamei as claques, nas tais dez reuniões em 5 anos e meio, e disse-lhes: foram vocês que incendiaram e isto vai entrar nas vossas contas. Ficaram todos chateados comigo. Só aí a dívida das claques subiu em meio milhão. Depois percebi que tinham sido oferecidos 10 mil bilhetes para a final do Jamor contra a Académica. Não era ainda presidente. Também entrou nas contas, contra a vontade deles. Mais. Todos os grupos passaram a ser responsabilizados pelas contas que o Sporting recebeu relacionado com o mau comportamento das claques: arremessos, cânticos, a nível nacional e na UEFA. Sabe quanto é que as claques que receberam desde que eu estive lá? Zero. Porque a conta estava sempre a aumentar, principalmente com as multas da UEFA que era pesadíssimas. Porque se fez disto um filme para dizer que esta direção os apoiava? Esta direção obrigou os quatro grupos a entenderem-se e a ir para a superior sul. O nosso relacionamento era tenso. Perguntavam: E se não pagarmos? Eu respondia: termina o protocolo e fecham-se as casinhas.

Foi alguma vez ameaçado por algum deles?

Diretamente não, apesar de numa ou noutra reunião fazerem aquele show off todo. A nível de exigências internas são todos uns exaltados. Estou muito orgulhoso do trabalho que fiz com eles. Recebi os parabéns das mais altas patentes das polícias, na preparação dos jogos como o do Jamor. Controlar as claques era um trabalho muito bom, mas muito duro. Elas faziam o que queriam antes de eu lá estar. Quando ia a uma Assembleia Geral do Godinho Lopes era rodeado por seis ou sete. Quem lhes pedia? Não eran eles que o faziam pela cabeça deles. Nos anos anteriores à minha presidência as claques iam no avião da equipa a fumar.

Cigarros ou outras coisas?

Tudo o que se possa imaginar. Toda a gente se queixava: jogadores, treinadores, sponsors, adeptos. Comigo, zero. Um sponsor levantava-se e eles sentavam-se no lugar dele.

Vai fazer uma segunda parte do seu livro ‘Sem Filtros’?

Não é uma prioridade.


Pensou nos arrependimentos que podia ter neste processo?

O que mais me custou foi a forma sentida que a minha filha

mais velha me disse: ‘Os sportinguistas não mereceram o que fizeste no Sporting. E nós em casa não merecemos a tua falta de presença para dares 24 horas por dia ao Sporting’. É o meu arrependimento. Prejudiquei principalmente o relacionamento com a minha filha mais velha para tudo acabar desta forma imbecil e miserável. Ela tem toda a razão, mais valia não o ter feito. Cometi excessos, como toda a gente comete excessos. Mas nunca erros para ser destituído. Neste momento sou uma pessoa completamente distinta do que era na altura: muda-nos o facto de sermos detidos durante cinco dias, privados do direito ao trabalho, de como vamos sustentar as três filhas. Quando estava no Sporting, os objetivos eram trazer glória para o clube. Vivia 24 sobre 24 em algo que deu frutos, tirando no futebol. Mas o futebol tem razões que a razão desconhece. Mas a polícia e os tribunais já conhecem. Infelizmente acho que não vão é dar em nada.
Sente-se um mártir?

Não me sinto um mártir. Mas olhem, perguntaram há pouco tempo à Adriana Calcanhotto sobre o Bolsonaro e ela respondeu qualquer coisa como isto: depois de um governo que tirou muitas pessoas da rua, as pessoas que não iam para a escola começaram a ir para a universidade, que deu educação, que deu cuidados de saúde, o sistema tinha de reagir. Mas, diz ela, que não estava à espera que o sistema reagisse de forma tão ignorante e que o governo Bolsonaro, mais cedo do que acha vai cair. Isto foram as palavras da Adriana Calcanhotto. Eu posso pegar nisto e dizer que a partir do momento em que eu abri as portas do Sporting ao chamado povo, no qual me incluo, que tornei o Sporting num clube popular, que aumentei a base do Sporting em 80 mil sócios, que tínhamos o estádio quase sempre cheio, o pavilhão quase sempre cheio, glória nas várias modalidades, o sistema do Sporting tinha que reagir.

Acha que o Sporting agora está nas mãos de Bolsonaros? Isto é um complô?

Acho que a imagem que a Adriana Calcanhotto utilizou é muito boa. Tudo é cíclico, foi o que ela disse e o Sporting é uma entidade feita de pessoas. O Sporting sempre foi gerido de uma certa forma; depois, veio alguém que foi disruptivo, transformou completamente, deu uma lição a estas pessoas de como se geria um clube. E como era possível o clube ter resultados desportivos e financeiros estando aberto ao povo. É lógico que andaram cinco anos e meio a ver como é que haviam de fazer para que alguém que tinha 90% dos associados com ele caísse e que o cair fosse com estrondo, esquecendo-se completamente, porque não importa para este género de pessoas, se tenho três filhas para cuidar, não lhes importa.

Mas não é um diretor de segurança ou um team manager que faz cair um presidente.

Vou dizer-vos o seguinte: num relógio, por exemplo, não é uma mola que faz funcionar o relógio. Mas se se tira a mola a engrenagem não funciona. Neste caso, se não tivesse acontecido Alcochete eu ainda era presidente do Sporting. Toda a gente que assistiu in loco e que não retirou os devidos ensinamentos daquilo que viu e que não agiu em conformidade acabam por ser molas que faltavam na engrenagem.

E as claques fizeram parte desse plano ou foram usadas?

Tem que ser a polícia a ver isso. Já se ouviu tanta coisa, já se ouviu que membros da Juve Leo eram só 14, não faço ideia se é verdade ou não, não conheço as pessoas. Já se ouviu dizer que estavam lá pessoas de outras claques que não do Sporting Clube de Portugal, não faço ideia se é verdade ou mentira. Já se ouviu dizer tanta coisa, que se faça a investigação mas que a investigação tenha princípio meio e fim. Que se vá perceber todas as molas e onde falharam e vamos perceber por exemplo... parece que as pessoas se esquecem: o que é um homicídio por negligência? Foi a pessoa que cometeu o homicídio? Não. Foi a pessoa que pelo seu não ato, ou pelo seu ato, permitiu que o homicídio tivesse acontecido. Ora, não sendo homicida, é condenado por homicídio por negligência. Para mim há aqui atos de negligência.

Por parte de pessoas próximas do seu staff.

Não interessa se são do meu staff ou não. Por parte de pessoas. Porque essa coisa do seu staff... o que é que significa? Se um dia o marido de uma das senhoras da limpeza cometer um assalto como era do meu staff eu tenho alguma coisa a ver com isso?


FONTE: TribunaExpresso