Kompany vai ser treinador-jogador. Tal como Vialli, Toschack, António Oliveira, Dalglish, etcetera
Capitão do Manchester City despede-se depois de 10 anos, onde, nos últimos tempos, voltou a encantar-se pelo jogo. Segue-se o Anderlecht, como treinador-jogador, no clube onde tudo começou.
Quando era pequeno ouvia coisas da boca de pais de outros meninos como “macaco” nos torneios de futebol. Talvez tenha percebido da pior maneira que o mundo lhe ia torcer o braço de vez em quando. Este desporto serviu para sair da rua, para escapar do que arruinava tenras vidas, para aprender uma lição ou duas. Vincent Kompany transformou-se num enorme futebolista, um líder especial. Fala francês, holandês, alemão, inglês e desenrasca-se no italiano e espanhol. Estudou, porque um dia enterrou dinheiro em dois sports bar e sentiu-se enganado, visita sem-abrigo sem o circo mediático atrás, colabora com instituições de solidariedade e fundou outra, em Bruxelas, para 1300 jovens, com 200 voluntários. Não se trata de um homem banal.
O belga contou estas histórias numa entrevista ao “The Guardian”, no sábado. O timing não é inocente: o capitão do City acaba de vencer um inédito treble interno e anunciou o adeus aos cityzens. Pep Guardiola avisara que, um dia, os dois se haviam de sentar para discutir o futuro, com uma cerveja na mão. E o futuro, sabe-se agora, passa pelo passado. Vincent Jean Mpoy Kompany brotou das escolas do Anderlecht, o clube que agora o convidou para ser treinador-jogador, algo que se vê pouco nos dias de hoje.
“Foi muito inesperado”, admite na tal entrevista ao diário britânico. “O Michael [Verschueren] e o Frank [Arnesen] explicaram-me em detalhe como veem esse cenário em prática. Eles refletiram. Não fiquei só impressionado, mas também intrigado com este sinal de confiança em mim.”
Kompany esteve 10 anos em Manchester, depois de uma passagem em Hamburgo, numa altura em que já era tido como uma rising star. Atlético, transpirava confiança por todos os poros e era brutal nos duelos. O estatuto de lenda já andava a morder-lhe a sombra há muito e nem era preciso ter marcado aquele golaço contra o Leicester, numa altura em que os pequenos génios não sabiam resolver aquele enigma de Brendan Rodgers, para escancarar a porta para a segunda Premier League consecutiva.
Este defesa ganhou 12 troféus em Inglaterra e já pisou a relva de uns Jogos Olímpicos e dois Campeonatos do Mundo, mas há uma coisa que ele aprendeu há pouco tempo: o amor reinventa-se. “Pep Guardiola reacendeu o meu amor pelo jogo”, dizia o belga na mesma entrevista ao “The Guardian”. “Eu testemunhei, participei, analisei, absorvi, estudei. O Manchester City joga o futebol que eu quero jogar. É o futebol que eu quero ensinar e ver jogar. Eu decidi aceitar o desafio do Anderlecht: jogador-treinador.”
No final dos anos 70 aconteceu uma das histórias mais surreais no que toca a este tipo de decisões. John Toshack assumiu o banco do Swansea City, um clube galês que estava na quarta divisão inglesa, com apenas 28 anos. O papel era ambicioso: ser avançado e decidir as táticas, os treinos e as ideias. Era o treinador mais novo da liga. “Ser jogador-treinador, claro, envolve trabalho no campo e atrás da secretária”, escreveu numa espécie de jornal do clube, aquando da nomeação. “Relativamente ao último, sou um estreante: mas estive numa escola muito boa nos passados oito anos e tive bons treinadores como Bill Shankly, Bob Paisley e Mike Smith de Gales", lembrava o ex-futebolista do Liverpool.
Toshack, que treinaria o Sporting depois desta experiência, conseguiria o impensável: levar o clube até à primeira divisão, garantindo subidas consecutivas.
Kenny Dalglish alinhou no mesmo filme em Liverpool, foi o pioneiro naquele clube. Depois da tragédia de Heysel, Joe Fagan renunciou ao cargo e Dalglish assumiu as rédeas do que se passava em Anfield entre 1984 e 1990. Graeme Souness já o fizera, com o Rangers. Ruud Gullit estaria para fazê-lo, no Chelsea.
E foi nos blues que aconteceu uma das histórias mais felizes deste jeito de andar no futebol, com o cronómetro ao pescoço e a bola colada ao pé. Gianluca Vialli ocupou a vaga de Gullit. O Chelsea terminou em segundo lugar com a ex-lenda da Juve e ganhou a Taça das Taças na final contra o Estugarda, graças a um golo de Zola. A Supertaça Europeia, disputada entre Chelsea e Real Madrid, voou para Londres, cortesia do golo de Gustavo Poyet. Não correu nada mal, hein? O italiano só treinaria mais uma época, desta vez o Watford, no Championship (2.ª divisão).
Por cá, António Oliveira terá sido um dos mais reputados a fazê-lo, ainda por cima num grande clube como o Sporting. Em 1982/83, António Oliveira treinou Oliveira, que bisou logo à terceira jornada contra o Rio Ave e até 29 de setembro já levava nove golos, três deles num jogo contra o Dinamo Zagreb (3-0), para a Taça dos Campeões Europeus, onde os lisboetas chegariam aos “quartos”, caindo apenas contra a Real Sociedad de José Mari Bakero. Os leões terminaram o campeonato em terceiro lugar, atrás de FC Porto e do campeão Benfica. Recorde AQUI a entrevista de António Oliveira à Tribuna Expresso.
Vincent Kompany vai voltar agora à casa de partida, o lugar onde nasceu, foi criado e até aprendeu a ganhar: duas ligas, em 2004 e 2006. Agora saberá o que é tomar decisões, coçar a cabeça para encontrar soluções, deixar futebolistas de fora, ainda por cima colegas de balneário. A herança, apesar de todo o encantamento, não é a de outros tempos e promete dificuldades: o Anderlecht terminou em sexto lugar, a 20 pontos do campeão Genk.
FONTE: TribunaExpresso