O que torna esta Liga dos Campeões inesquecível
As meias-finais selaram a ouro uma Liga dos Campeões para recordar sempre. 2018/19, o ano das reviravoltas, das decisões no limite, dos protagonistas improváveis, da ilusão de que tudo é possível. Mesmo que, no fim das contas, se decida numa final com dois protagonistas que chegam da grande potência do futebol europeu. Liverpool e Tottenham, a força da poderosa Premier League. Também por aí esta época pode ser absolutamente histórica. Se Chelsea e Arsenal se apurarem nesta quinta-feira na Liga Europa, estarão quatro clubes do mesmo país nas duas finais europeias, algo absolutamente inédito.
Ainda a quente, na ressaca de duas decisões arrebatadoras, algumas das razões que tornam esta Liga dos Campeões inesquecível.
Vira que vira e torna a virar
A Roma a dar a volta ao Barcelona na época passada, de um 4-1 para um 3-0, e na temporada anterior o 6-1 do Barça ao PSG depois do 4-0 na primeira mão já tinham ameaçado a velha lógica das vitórias antecipadas. Mas esta época reforçou a tendência, e de que maneira. Os oitavos de final deram o tom: o 3-0 de Cristiano Ronaldo e da Juventus a virar o 0-2 com o At. Madrid, o 3-1 do Manchester United em Paris depois de perder por 0-2 em casa, o FC Porto a dar a volta à Roma, de 1-2 para 3-1, e o Ajax a recuperar da derrota com o Real Madrid em casa (1-2) para o épico triunfo por 4-1 no Bernabéu que deixou o tricampeão europeu pelo caminho. E nas meias-finais aconteceu o impensável. Na terça-feira o Liverpool provou que o 3-0 do Camp Nou era enganador com uma goleada épica sobre o Barcelona (4-0). E nesta quarta-feira o Tottenham resistiu ao 0-1 sofrido em casa, aos dois golos sofridos na primeira parte em Amesterdão e deixou mesmo pelo caminho o Ajax no último suspiro do jogo.
A boa velha Inglaterra a quebrar o domínio espanhol
E ditou a final inglesa, apenas a terceira da história. Pela primeira vez em seis anos não haverá um finalista e, logo, um vencedor espanhol. O domínio dividido entre Barcelona e Real Madrid desde a final alemã de 2013, que o Bayern Munique ganhou ao Borussia Dormund de… Jurgen Klopp, chegou ao fim e a Inglaterra retomou esta temporada um ascendente que tinha perdido nos últimos anos. É a afirmação do campeonato financeiramente mais forte do futebol europeu, sim, mas muito se poderá falar sobre o que representa mais, se não é também o devolver ao futebol a alma, a força e a paixão de que Inglaterra sempre foi guardiã.
As hierarquias abaladas
A hegemonia inglesa desenhou-se logo a partir da fase a eliminar, com quatro clubes ingleses a chegarem aos quartos de final. E quem chega até à decisão no Metropolitano de Madrid nem são os mais cotados. Claro, o Liverpool foi finalista na época passada, está a fazer uma grande temporada na Premier League e tem cinco Taças dos Campeões Europeus no palmarés. Mas é 11º no atual ranking da UEFA, atrás, por exemplo, do Manchester City. Quanto ao Tottenham, 18º no ranking, consegue uma estreia absoluta na final, quando ainda não tem garantido o quarto lugar e a presença na Liga dos Campeões através do campeonato inglês.
Ajax, a ideia e a ilusão
Mas a maior ilusão de que é possível contrariar a lógica teve como rosto o Ajax. A equipa que partiu da segunda pré-eliminatória, começou a competir em julho e foi avançando, até morrer na praia. Uma equipa feita de jovens, com ideias, talento e um espírito que apaixonaram o mundo. Que fizeram lembrar o melhor do futebol holandês e reviver a ideia do jogo pelo puro prazer. Pochettino, o treinador do Tottenham, definiu-os de forma perfeita ao «El País», na véspera do jogo: «Parece-me uma equipa com jogadores tecnicamente muito bons, mas também com um grau de irresponsabilidade e liberdade enormes. Isso é muito difícil de encontrar numa equipa. É uma equipa que se sente totalmente livre de expressar-se no campo, porque ninguém espera nada. Ninguém esperou nem espera. Tem essa inocência de dizer: «Vou jogar futebol.»
Sangue novo, sangue quente e paixão
Pochettino falava também nessa entrevista sobre a abordagem ao jogo e colocava enfase na ideia de «paixão». «O futebol perdeu gente autêntica, parecemos atores», dizia, enquanto procurava desconstruir as ideias feitas sobre como se deve jogar bem, a ditadura do princípio da posse de bola. Calha bem, porque esta Liga dos Campeões reforçou precisamente a ideia de que há muito mais futebol para lá das ideias feitas. Como provaram o Ajax, ou o Liverpool, mesmo com todas as suas diferenças. Como provou o jogo feito de circulação, velocidade, transição, intensidade, pressão. E paixão, sim. A paixão em campo e a paixão nas bancadas que teve a expressão máxima na noite de terça-feira em Anfield, palco dos palcos da identidade do futebol.
Sinais de mudança, com a sombra da Superliga a pairar
Esta Liga dos Campeões pôs muita coisa em causa. Deixou de fora da decisão, também, os dois grandes protagonistas da última década no futebol mundial. Pela primeira vez em seis anos, nem Cristiano Ronaldo nem Messi estarão na decisão. Mas, sobretudo, trouxe uma incerteza e uma paixão que a legitimam mais do que nunca. Uma competição que ainda há pouco foi reformulada, que abriu bem mais espaço aos clubes dos grandes campeonatos, mas ainda assim mantém espaço para a esperança. Para a esperança do FC Porto, que voltou a estar entre os oito melhores, para a esperança do Ajax, que veio de tão longe para fazer o que fez, para a esperança do Tottenham, que chegou onde nunca tinha chegado. Quando é cada vez mais claro que está mesmo em marcha a ideia de uma Superliga europeia fechada, com lugares cativos e uma ou outra descida de subida de divisão, esta Champions veio provar que o futebol precisa de manter esta ilusão e esta paixão. E esse pode ser o maior legado da Liga dos Campeões 2018/19.
FONTE: MaisFutebol