A inexplicável sobrevalorização de Pepe, o impetuoso
O treinador Blessing Lumueno escreve sobre o central do FC Porto e sobre aquele erro que poderá custar um título no final do campeonato. E estende a análise a todos os centrais que fazem da agressividade o seu mantra. Porque tem de haver mais do que isso num defesa.
É quase unânime, para a maior parte do público que assiste e vibra com o futebol, que o excesso de agressividade desempenha um papel fundamental na avaliação que se faz de um defesa central. Aquela velha história que nos fala de defesas feios, porcos, e maus é uma realidade. Sem esse tipo de atributo, em que o jogador demonstra ser superior fisicamente (na altura, na velocidade, na força) e é impetuoso na disputa de todos os lances, diz-se que muito dificilmente vingará.
Como o futebol é um jogo muito popular, e a maior parte das análises que se fazem do mesmo são simplistas, são poucas as pessoas que pararam para pensar que essas características, por si só, de pouco valem; ou melhor, as pessoas não têm em conta que ser impetuoso regularmente é mais prejudicial do que benéfico.
Para mim, a impetuosidade acarreta falta de atenção, pouco rigor no posicionamento, precipitação, e irracionalidade na abordagem aos lances. Isto é, aquilo que para todos é um traço fundamental para o sucesso de um defesa central, para mim, carrega um risco que não compensa. E, como as pessoas estão habituadas a olhar para resultado e pouco para a forma, dificilmente reconhecem as desvantagens de determinado tipo de abordagem.
O caso de Pepe é paradigmático: as pessoas acham que compensa o excesso de agressividade com que aborda quase todos os lances, e a ferocidade com que ataca os seus adversários, porque só lhe notam erros quando os adversários marcam. Mas, na realidade, na maioria dos lances que disputa, o perigo de ser ultrapassado, ou fazer uma falta em zonas próximas da baliza, e de com isso comprometer a estrutura defensiva está muito presente.
Lembro que, desde que chegou ao Porto, já cometeu bastantes erros comprometedores e apesar disso continua a gozar de um estatuto de confiança máxima por parte do grande público, e sobretudo do seu treinador.
Se tivesse a idade do Diogo Leite, provavelmente já estaria afastado e seria colocada a hipótese de ser emprestado para adquirir experiência; tendo a idade que tem, não se percebe muito bem qual a origem dos erros que comete. Afinal, a falta de experiência é sempre culpada de tudo.
O problema de um jogador ser impetuoso é agir e reagir sempre da mesma forma, como se todos os lances fossem do mesmo tipo. Dado a sua imponência física, eles julgam que vão tirar proveito dos lances chegando mais rápido que o adversário, saltando mais alto, ou ganhando no corpo-à-corpo, e não contemplam a possibilidade de erro. Geralmente, quando o fazem, julgam que mesmo que percam o lance vão conseguir sempre impedir o adversário e a bola de prosseguirem parando os lances em falta.
Dificilmente se acautelam e têm em conta a possibilidade de o adversário os enganar, e até de alterarem as circunstâncias do lance de tal forma que seja impossível ganharem o lance com o ímpeto que os caracteriza.
Claro que, há situações em que ser impetuoso é uma vantagem; mas, os jogadores que o são raramente, analisam um lance para perceber qual a melhor forma o encarar. Pepe é um central que tem algumas características muito boas, mas que tem outras que são péssimas. E as que não são boas são precisamente as mais relevantes: a concentração, o controlo emocional, o sentido posicional, a capacidade de leitura dos lances, etc. Ele está sobrevalorizado porque no futebol de hoje há uma tendência para se valorizar aquilo em que Pepe é bom, ignorando precisamente que o resto é que não devia faltar. E por isso, não são raras as vezes em que se equivocam. Este lance do Pepe, que é só mais um no meio de tantas abordagens falhadas, poderá ficar na história como o erro que entregou o título ao rival.
Neste lance, poderia falar da insegurança e falta de controlo que a equipa demonstrou do jogo por falta de comportamentos colectivos mais conservadores: não só na gestão da posse de bola (que é a melhor forma de controlar o jogo), como na posição que os jogadores ocupam sabendo que ele opta muitas vezes por jogar longo.
Há a decisão de Casillas em jogar longo sendo que não estava pressionado, e também a fraca reacção da equipa ao pontapé do seu guarda-redes. Porém, interessa-me sobretudo falar do erro de Pepe por demonstrar de forma inequívoca a sua natureza enquanto jogador.
Quando Casillas decide pontapear a bola, Pepe é o jogador que está mais recuado. E ao subir, ao perceber que a primeira bola tinha sido ganha pelos seus colegas e a segunda bola tinha entrado em Gelson Dala, que naquele momento era a referência central do Rio Ave, não conseguiu conter o seu ímpeto.
Pepe sai de forma vertiginosa, como sai à todas, e tentou parar o ataque do Rio Ave logo ali; não importava se de forma legal ou fazendo falta. A ideia era terminar o mais rapidamente possível o ataque adversário e para isso iria fazer-se valer daquelas que são as suas grandes armas: o poder físico e a impetuosidade. É verdade que, algumas vezes, com esse tipo de abordagem consegue alguns cortes “in extremis”, e algumas recuperações espetaculares.
Não menos verdade é que, quando um jogador tem a necessidade de cortar a bola no limite é porque por algum motivo estava em desvantagem para o adversário. E problema é que, quando olhamos para espetacularidade do lance, perdemos a noção da razão pelo qual o defesa se encontrava em desvantagem. E a falta de concentração assim como de sentido posicional, ou a pouca intuição para perceber para onde o lance vai seguir, são as principais razões pelo qual Pepe se encontra na maior parte das vezes em desvantagem.
Reparem que, nem por um segundo ele temporiza a sua acção para tentar perceber a vantagem ou desvantagem de uma acção tão impetuosa neste lance. A leitura que faz do lance não contempla a hipótese de não chegar a tempo de parar a marcha da bola ou do adversário na direcção da sua baliza, e por isso não coloca nunca a hipótese de adoptar um comportamento mais conservador, recuando e defendendo as suas costas.
Neste lance, Pepe fez o que costuma fazer regularmente: usou a sua velocidade, o seu poder, o seu ímpeto, e tentou resolver o lance de forma irracional. Por isso pagou caro. E pode ser que com isto, com este erro, as pessoas percebam que: seja qual for a posição que o jogador ocupa, mais do que ter poder, mais do que ter ímpeto, importa saber quando usar esses atributos. E que se guarde bem na memória, independentemente da equipa que sair vencedora no final, que foram os erros de dois centrais impetuosos que permitiram a cada equipa ganhar e perder vantagens nesta última fase da luta pelo título.
FONTE: TribunaExpresso