Onde os remates de Bruno Fernandes encontram o golo do Éder

Bruno Fernandes.

Um dia depois do que aconteceu em Alvalade, é bom abrir a nossa MF Total assim: com um parágrafo só para ele.

Mas não chega. Tem de haver mais. Por isso vamos ser como ele, muito diretos. O médio não demorou tempo, por exemplo, a assumir a dívida para com o Sporting logo no dia do regresso a Alvalade.

«O Sporting apostou em mim, pagou 8,5 milhões de euros por mim. Para um clube português é muito dinheiro e eu sentia-me, e sinto-me, também um bocadinho em dívida.»

A partir daí, é verdade, arrancou para uma época assombrosa. Ao fim de nove meses o crédito concedido está praticamente liquidado: 26 golos em 45 jogos, uma série de recordes quebrados, mais de uma mão cheia de momentos para guardar na gaveta das memórias e um título.

Ora por isso, e porque também queremos ser diretos, interessava-nos perceber como o médio se preparou para este ano em jeito de fábula de encantar. Foi o que fomos descobrir.

Antes de mais, convém referir que a pré-época do médio começou tarde: foi um regresso aos trabalhos complicado para toda a estrutura leonina.

No entanto, e como muitos argumentam, uma boa pré-época é a chave para um ano de sucesso.

Portanto, a pergunta que se coloca é: o que é que o internacional português fez durante os 23 dias em que não esteve vinculado a nenhum clube? Ou seja, o que é que ele fez desde o fim da participação de Portugal no Mundial da Rússia até ao dia do regresso a Alvalade?

Mental Coaching

Logo após regressar ao Sporting, Bruno Fernandes decidiu recorrer a Susana Torres, mental coach que trabalhou com Éder e trabalha com vários futebolistas. A intenção era clara: encontrar uma forma de lidar com a pressão associada ao regresso.

«É fácil trabalhar com o Bruno. É uma pessoa muito trabalhadora, que gosta de estar sempre no máximo e que busca resultados excelentes. Procurou-me para superar o nível do ano anterior e para que os acontecimentos do final da época passada não o afetassem», começou por dizer Susana Torres.

«Criámos uma estratégia de acordo às pretensões dele. Trabalhámos o foco, a concentração, entre outras coisas, alinhadas com os valores dele.».

Lentamente as vozes críticas esmoreceram e deram lugar aos aplausos. O medo do jogador desapareceu, a voz dentro do seu subconsciente silenciou-se e este voltou a ser aceite pela grande maioria dos adeptos. O desafio era simples: não deixar que as críticas acerca do seu regresso interferissem no rendimento em campo, para voltar a ser aceite pelos sócios.

«Sim, o desafio era esse. Muitas vezes as dúvidas que ele tinha podiam provocar-lhe alguma ansiedade, o que afetaria o desempenho desportivo. O que fazemos com o corpo é controlado pela mente. Ele tinha essa incerteza dentro dele, era o que estava a sentir. Na minha opinião acho que não era um problema», frisou a mental coaching.

«Os adeptos são barómetros. Se o Bruno não rendesse, os adeptos iam-lhe cair em cima. Se ele estivesse a um bom nível, os adeptos estariam com ele. Tudo depende sempre do rendimento dos jogadores. Essa questão do receio, pelo qual me procurou, não comprometeu em nada o desempenho dele, como se pode ver.»

O trabalho teve o intuito de mexer e programar o subconsciente para eliminar o que o podia afetar o rendimento no campo e desenvolver outras capacidades como o foco e a concentração. Depois foram planeados objetivos e metas diárias.

Bruno Fernandes ainda hoje segue à risca o plano.

«Ele é bastante aplicado e disciplinado. Ainda faz este tipo de trabalho, mas agora fá-lo em casa. Eu apenas entrego as ferramentas. Ou seja, dou-lhes as linhas orientadoras para ele programar o subconsciente e para se abstrair do ruído que pode levá-lo a perder o foco», acrescentou.

«É uma questão que afeta outras circunstâncias da vida, não só o futebol. Transforma os pensamentos dos jogadores, fá-los ter um tipo de atitude que muitas vezes pode influenciar os restantes companheiros de equipa e os próprios adeptos.»

Os dias na sombra até Portugal ficar rendido

Mesmo sem saber o que o futuro lhe reservava, Bruno Fernandes preocupou-se com a mente... e com o corpo.

Para além do trabalho mental com Susana Torres, o capitão do Sporting fez por cumprir um plano de treino específico. Correu contra o tempo, por assim dizer.

Recebeu indicações de um personal trainer e fez trabalho físico, técnico e de velocidade sozinho. Sem ninguém a incentivá-lo ou a motivá-lo. Fê-lo nos estádiso do Maia e do Rebordosa.

Treinou na sombra preparando-se para os dias em que todos o iriam a ver.

Muita vezes fê-lo sozinho, como já se disse, mas a verdade é que não foi sempre um lobo solitário. Ocasionalmente reuniu um grupo de amigos para «matar o bichinho» no Pavilhão Desportivo Teixeira Lopes, em Vila Nova de Gaia. Numa prova de que é, no fundo, um apaixonado por futebol, como de resto já o próprio admitiu.

Nuno Costa, jogador do Nogueirense, e Emanuel Cruz, jogador do Canidelo, são amigos de amigos e foram também eles convidados para integrar os treinos de Bruno Fernandes. Uma forma de ajudarem o craque a manter-se ativo.

«Fui convidado por um amigo do Bruno para treinar. O Bruno é simples, uma pessoa de trato fácil. Joguei imensos anos contra ele nas camadas jovens do Boavista e já o conhecia, por assim dizer. Achei que já não se ia lembrar de mim, mas reconheceu-me. Mas fez questão de cumprimentar também os que não conhecia e de falar com eles», referiu Nuno Costa.

O arranque de pré-época foi, desta forma, feito entre a Maia e Vila Nova de Gaia.

Numa outra noite de verão, Emanuel Cruz recebeu um convite para treinar com amigos. Quando chegou ao Pavilhão Desportivo Teixeira Lopes encontrou... Bruno Fernandes.

«Quando me convidaram só me disseram que ia aparecer um tipo que jogava na Liga. Não acreditei. Nunca imaginei que seria o Bruno Fernandes», recordou o futebolista amador.

Emanuel corrobora a versão de Nuno Costa acerca do melhor jogador da Liga 2017/18.

«Tive a oportunidade de falar com ele sobre o percurso em Itália, disse-me que o fez crescer imenso. Acabámos a falar sobre a Divisão de Elite da AF Porto, onde joga um grande amigo dele chamado Tiago Carvalho.»

Feitas as contas, portanto, foram 23 dias provavelmente duros, com muitas dúvidas e incertezas na cabeça, mas que serviram também para o médio se fortalecer física e mentalmente. A temporada admirável que toda a gente vê começou ali: nos relvados da Maia e do Rebordosa, num pavilhão de Gaia, em encontros cheio de conversas com Susana Torres.

«Trabalha duro e em silêncio, deixa que o teu sucesso faça barulho». O lema seguido por Bruno Fernandes.


FONTE: MaisFutebol