Palmeira: «Há cinco meses via um jogo de futebol e começava a chorar»

«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para [email protected]

Quem viu aquela época prometedora na defesa do Belenenses, em 2014/2015, estaria longe de imaginar que seria o início do fim como futebolista. Quem mais para testemunhar, senão o próprio: Mário Palmeira.

«Estava a fazer uma grande época no Belenenses. Foi o melhor balneário que apanhei. Passados dois anos, se me dissessem que nunca mais ia jogar futebol na vida, diria que essa pessoa era maluca. Facto é que o Palmeira teve de abandonar o futebol porque não tinha mais capacidade», constata.

Palmeira terminou a carreira em 2017, no Real Sport Clube, aos… 26 anos. Depois, desapareceu do mapa. Uma grave lesão venceu o sonho de uma vida. Hoje, recomposto a nível emocional – com sequelas físicas – espera vaga para iniciar o curso de treinador e continuar ligado ao futebol. Agora, fora das quatro linhas.

Em tom emocionado, Palmeira confessa-se ao Maisfutebol. O testemunho de quem não foi o mesmo a partir de 18 de abril de 2015.

Belenenses-Benfica, 29.ª jornada, minuto 55: o defesa, que tem as raízes transmontanas de Simão Sabrosa, sai lesionado. É-lhe diagnosticada uma lesão muscular na face posterior da coxa direita para o resto da época. Mas seria mais que isso. «A partir daí, os piores três anos da minha vida», conta.

«Tenho uma incapacidade na perna. Sinto no dia a dia, porque foi uma lesão grave. Um arrancamento dos isquiotibiais, um grande suporte que saiu da perna. Produção de força, velocidade máxima, sprints… o Palmeira perdeu isso tudo e foi muito complicado», refere.

Depois, mais de ano e meio fora dos relvados. Pelo meio, opiniões, recomendações, retrocessos na recuperação, viagens ao estrangeiro, várias equipas médicas, até à real perceção do problema. Palmeira começou por ser analisado pelo então responsável clínico do Belenenses, Rodolfo Candeias, que sairia do clube em agosto de 2015.

«Acharam bem tratar a lesão pelo método convencional, não operando. Acho que essa decisão ditou tudo. Passaram dois ou três corpos médicos depois do Rodolfo. Tentou-se tanta coisa. Fomos procurar opções fora, em Londres e Lyon. Aí, a presidência do Belenenses foi incansável. O presidente levou-me a França e o médico aconselhou a procurar outro. Levaram-me a Londres, deram opinião e, a partir dessa opinião, o Palmeira sentiu-se um bocado abandonado. Chegou uma altura em que eu não fazia nada», atira.

Palmeira continuou a ir «todos os dias» às instalações do Belenenses. Mas notou diferenças com o tempo. «Não fui posto de parte pelos jogadores, nem pela direção, mas nunca mais vi evolução. Quando começou a época, passado uns meses de tratamento, foi aí que começou a notar-se a gravidade da lesão. Poderia voltar entre quatro a seis meses. Facto é que estive um ano e meio no Belenenses e a evolução e o tratamento nunca surtiram efeito», acrescenta.

A «luzinha ao fundo do túnel» surgiu ao fim de quase um ano e meio, em setembro de 2016. Palmeira, através do empresário, esteve três meses em recuperação no Porto, na clínica Health & Training – Centro Eduardo Salgado. «Durante ano e meio, supostamente tinham de tratar-me e nem conseguia correr. Até que chegou essa clínica. Em três meses, saio a conseguir correr e a jogar à bola, com esperança de que pudesse voltar», lembra.

O empréstimo que virou rescisão, o Casa Pia que nunca existiu

Depois de viver e recuperar três meses no Porto, Palmeira voltou ao Restelo em dezembro de 2016. O Belenenses era treinado por Quim Machado. «Foi-me dito que não contavam comigo. Aparece mais uma dificuldade, tentar arranjar clube», recorda. E é aí, garante, que «quando estava tudo acertado para haver um empréstimo, aparece uma rescisão por parte do Belenenses».

«Inicialmente, foi-me transmitido que o treinador não contava comigo. Que iria ser emprestado até final da época. O meu empresário começou a procurar clube e o treinador do Real contactou-me. O Filipe Martins, a quem agradeço muito. Aparece a proposta para ir para o Real, mas tinha de rescindir com o Belenenses. Eu defendi um empréstimo, era justo. E o Belenenses bateu o pé. A ir para o Real, tinha de rescindir. O processo foi demorado, chegou uma altura em que me cansei, rescindimos e fui tentar uma nova vida no Real», detalha.

Palmeira tinha mais seis meses de contrato com os azuis, antecipados com a saída em janeiro de 2017. Seria o último capítulo da carreira nos relvados. Ajudou o Real a vencer o Campeonato de Portugal. Fez quatro jogos entre janeiro e março, mas logo percebeu que «não dava para voltar a ser profissional». Jogou pela última vez a 14 de maio de 2017, contra o Sacavenense, pouco mais de um minuto.

«Conhecendo o meu corpo e as minhas capacidades, senti-me limitado. O Filipe Martins falou comigo, cumprimos o contrato, mas a perna e a lesão já não deixavam, por mais que tenha recuperado naqueles três meses», ressalva, entre lamento.

No meio do suplício, uma época 2015/2016 sem jogar e que teve um empréstimo ao Casa Pia que, afinal, nunca existiu. Palmeira confirma, desmentindo o que veio a público.

«Nunca cheguei a ser emprestado ao Casa Pia. Não sei explicar de onde surgiu. Eu nem conseguia correr nessa altura. De repente, o meu nome aparece como emprestado ao Casa Pia. A única vez que saí do Belenenses, foi com a rescisão de contrato na mão, porque sugeriram. E fui para o Real. Nunca tive contacto com ninguém do Casa Pia. Não sei qual foi o objetivo disso», esclarece.

«Merecia mais respeito das pessoas do clube onde me lesionei»

Palmeira fez 34 jogos no Belenenses. Foi o auge de uma carreira que teve ainda Sp. Braga, Vizela, Estrela da Amadora, Ribeirão, Tondela e Real. O «enorme carinho e respeito» alimentado no Restelo virou mágoa pelo processo da rescisão.

«Pagavam tudo até final do contrato e eu ia à minha vida. Ficou assim acordado. Entretanto, por uma questão alheia, o Belenenses, digo SAD, não estava a cumprir com o que apalavrou», nota. Palmeira refere que o caso «não chegou a ir para os tribunais», mas que, à exceção de um elemento da SAD, Nuno Almeida, não teve respostas de outros a telefonemas e mensagens. «Falou comigo e disse que o processo ia ser regularizado. Cumpriu com a palavra, tenho amizade por ele e foi uma das pessoas que me apoiou», destaca. Hoje, garante que o reajuste sobre a rescisão «está a resolver-se», apesar de ainda não concluído.

A nível emocional, os últimos três anos e meio foram duros. O futebol, amor, virou utopia. «As pessoas praticamente não sabem que acabei o futebol. Há cinco meses, eu nem sequer conseguia ver jogos. No início, eu via um jogo de futebol e começava a chorar. Graças à minha família e à mulher que está comigo, já consigo fazer a minha vida normal: vou aos estádios, voltei a gostar de futebol. Acho que as pessoas não têm mesmo noção do que passei. Acho que merecia mais respeito das pessoas do clube onde me lesionei e pelo que dei tudo. O meu grande suporte foi o balneário espetacular que o Belenenses tinha», destaca.

Palmeira vive em Lisboa, com a companheira, longe da família, quase toda de Vila Real. Depois da lesão e de sair do Real, findou carreira. Ficou desempregado. Hoje, com «precauções» não põe de parte o desporto, do ginásio ao futsal com amigos. Quer aprender para ensinar, depois da prática que deixou mais cedo que o esperado. Além do curso de treinador, terminar o 12.º ano de escolaridade.

«Estou à espera que o curso abra, para começar a ganhar bases para poder continuar ligado ao futebol. É o que gosto. Tentar, nem que seja nas camadas jovens, estar ligado. O objetivo é ganhar bases de treinador. O que me deixa mais saudades no futebol é o balneário», confessa.

A seleção como ponte, Jorge Jesus e Leonardo Jardim

Palmeira fez toda a formação na Diogo Cão, clube de Vila Real. De um ano para o outro, deu o salto para o Sp. Braga, depois de um torneio regional entre associações distritais, que o levou à seleção sub-19.

«Depois desse torneio, a Diogo Cão recebe uma carta da federação, a dizer que eu estava convocado para a seleção sub-19. O selecionador era o Agostinho Oliveira. Apenas fiz treinos. Foi a alavanca para o meu percurso. Num jogo em Santo Tirso [ndr: pela Diogo Cão], vejo lá o Manuel Machado, que era o treinador do Sp. Braga. Foi ele que deu aval para a minha contratação», recorda. Palmeira ingressou nos minhotos em 2008 e encontrou Jorge Jesus, com quem trabalhou meia época. Não jogou, mas aprendeu e venceu a Taça Intertoto, o outro título da carreira, antes de ser emprestado.

«O Jorge Jesus é o que transparece, é genuíno. Transpira futebol, é um grande treinador. Foram seis meses de grande aprendizagem», nota. Ainda assim, foi Leonardo Jardim que mais o marcou. Também no Braga, mais tarde. Porquê? «Principalmente pelo trato que tinha. O trato e a confiança que passava, a forma de liderança. Eu era um miúdo, envergonhado. Aprendi além do futebol», enumera.

Mas seria com José Peseiro a estreia absoluta na Primeira Liga, a 15 de março de 2013, ante o Gil Vicente. «Lembro-me perfeitamente desse dia. Os centrais do Braga lesionam-se e surge oportunidade de eu e o Aderlan Santos jogarmos. Foi uma grande estreia, o concretizar de um sonho», assinala.

Um sonho que virou pesadelo anos mais tarde e que faz relevar os “se’s” da vida. «O Palmeira nunca foi a uma sala de operações. Há quem defenda que a operação teria sido a melhor solução. O tratamento foi noutro sentido. E pronto, é isto», suspira. O sonho de jogar noutros campeonatos e na seleção esfumou-se, mas há uma certeza.

«Ficam as boas memórias, bons momentos, de certeza melhores do que aqueles que foram piores».


FONTE: MaisFutebol