Balakov: «Vivi ao lado da Luz e espiei muitos treinos do Benfica»

DESTINO: 90s é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90s.

KRASIMIR BALAKOV: Sporting (janeiro de 1991 a junho de 1995)

O quê? Motivos para entrevistar o grande Krasimir Balakov? É mesmo necessário?

Então, pronto, aqui vão cinco:

1. O Sporting visita Chaves no sábado. Primeira vitória dos leões para lá do Marão? 0-2 em novembro de 1992. Quem fez os golos? O senhor Balakov, pois claro.

2. 27 de março de 1994, há precisamente 25 anos, data redonda. O Sporting ganha 1-4 em Guimarães. Quem marca dois dos golos? Olha, olha, lá está o Balakov outra vez.

3. 2 de abril 1994, há quase, quase 25 anos. Quem marca cinco golos ao Lourosa para a taça? Pffffff, nem vale a pena dizer mais nada.

4. Ai estamos numa de 25 anos? Equipa-ideal do Mundial dos EUA de 1994, alguém sabe? Anotem, por favor: Preud'Homme (Bélgica); Jorginho (Brasil), Márcio Santos (Brasil) e Maldini (Itália); Dunga (Brasil); Hagi (Roménia), BALAKOV (Bulgária) e Brolin (Suécia); Roberto Baggio (Itália), Romário (Brasil) e Stoichkov (Bulgária).

5. Krasimir Balakov é um dos maiores craques a jogar em Portugal nos anos 90, um génio da cabeça aos pés, esquerdino imprevisível e incontrolável. O DESTINO: 90s já o persegue há uns bons meses e só agora o apanhou.

BALAKOV NO CAMPEONATO NACIONAL:

. 1990/1991: 18 jogos/5 golos (3º lugar)

. 1991/1992: 32 jogos/7 golos (4º lugar)

. 1992/1993: 32 jogos/11 golos (3º lugar)

. 1993/1994: 29 jogos/15 golos (3º lugar)

. 1994/1995: 28 jogos/7 golos (2º lugar)

TOTAL: 139 jogos/45 golos

TROFÉUS: uma Taça de Portugal

Maisfutebol – É uma boa altura para falarmos, caro Balakov?

Krasimir Balakov – Sim, saí há pouco de uma conferência de imprensa. Fui convidado o ano passado para voltar ao Etar Tarnovo, o meu primeiro clube. Pediram-me para ajudar e está a ser bom. Estamos a lutar para continuar na primeira divisão búlgara.

MF – Muita coisa se passou desde a sua chegada a Portugal, em janeiro de 1991.

KB – 28 anos… parece impossível. Saí do Etar porque fui desafiado por um empresário que se chamava Lucídio Ribeiro. Falou-me do Sporting e era impossível dizer não. Falámos na Bulgária, acertámos tudo e lá vim. O Sporting pagou bastante dinheiro por mim: 1,5 milhões de euros. Muito, muito dinheiro. Tinha 24 anos, adaptei-me muito depressa a Portugal. O Oceano e o Carlos Xavier ajudaram-me muito. Precisei de algum tempo até começar a jogar. Ainda me lembro do primeiro jogo, dos nervos…

MF – Contra o Penafiel, no dia 12 de janeiro.

KB – Entrei ao intervalo para o lugar do Careca, um brasileiro muito lento, não sei se se lembram dele. O jogo estava 0-0 e o mister Marinho Peres quis agitar as coisas. Eu já tinha sido duas vezes suplente não utilizado. Depois de entrar na equipa nunca mais saí (risos). Mostrei que era um jogador importante e tive quatro anos e meio maravilhosos no Sporting. Não ganhámos o campeonato, mas jogámos quase sempre um dos melhores futebóis dessa década em Portugal.

MF – O Sporting teve grandes plantéis. O que falhou para não ser campeão?

KB – O Porto era muito forte, tinha uma estrutura espetacular e grandes jogadores. Era muito difícil jogar contra eles. Acho que até nunca lhes marquei um golo. O Sporting era uma equipa competitiva, mas faltava sempre alguma coisa.

MF – E esse FC Porto tinha o seu amigo Kostadinov.

KB – O Kostadinov, grande jogador (risos). Somos amigos até hoje. Ele trabalha na federação búlgara e falamos muitas vezes. Foi um avançado maravilhoso. Adorei jogar com ele na seleção, mas detestei tê-lo como avançado. O gajo era lixado, marcava quase sempre ao Sporting.

VÍDEO: 40 golos de Balakov no Sporting – imagens do portal SCP Memória

MF – O Balakov marcou 60 golos pelo Sporting. Um número fantástico para um médio. Quais são os golos inesquecíveis?

KB – Lembro-me dos 60, de todos. Mas tenho de falar do chapéu ao grande Preud'Homme na Luz e do golo ao Benfica no primeiro minuto em Alvalade, com uma grande fumarada no estádio. Acho que metade do estádio nem o viu (risos). E, claro, o golo ao Vitória de Setúbal. Passei por toda a equipa adversária, parecia o Maradona. Os sportinguistas devem lembrar-se destes golos. Tenho muitos amigos sportinguistas e alguns benfiquistas. Esses benfiquistas dizem-me muitas vezes: ‘Bala, és o único jogador do Sporting de quem gostamos’ (risos). Eu vivi perto da Luz, no último andar de um prédio, e conseguia ver os treinos do Benfica. Via o que eles treinavam para os jogos contra nós, espiei muitas vezes (risos).

MF – Pelo Sporting valia a pena ser espião, está visto. Criou uma ligação forte com o clube?

KB – O Sporting está no meu coração. Passei cinco anos fantásticos, acho que faço parte da história do clube. Não ganhámos o campeonato, mas serei sportinguista até morrer. Conheci tantas pessoas fantásticas, tanta gente boa, fui muito feliz em Lisboa.

MF – Mas também deve ter conhecido adversários mauzinhos. Quem foi o defesa que mais problemas lhe criou?

KB – O João Pinto, defesa direito do FC Porto. Sem dúvida. O futebol em Portugal nos anos 90 era muito duro, atenção. E contra o FC Porto… era muito difícil. Tinham uma defesa cheia de gajos experientes. O João Pinto era o pior, tinha coração e garra, chateámo-nos muito. Foram batalhas lixadas, muito duras. No inverno os relvados ficavam pesados e eu levava muita pancada.

MF – Em Alvalade o Balakov foi treinado pelo Marinho Peres, pelo Bobby Robson e pelo Carlos Queiroz. Todos muito diferentes?

KB – Aprendi com todos eles. Tive alguns problemas com o Queiroz, mas resolvemos tudo e hoje em dia até nos damos bem. Agora sou treinador e percebo melhor o outro lado. Nem sempre tive razão nas coisas que dizia. Se calhar devia ter ouvido um pouco mais, aceitar o que me pediam. Foram três treinadores espetaculares.

MF – Falou em problemas com o Carlos Queiroz. O que se passou?

KB – Bem, nada de mais, acho eu. Dei uma entrevista na altura e o Carlos não gostou de ler algumas coisas. Meteu-me no banco contra o Salgueiros, para me picar. Entrei [aos 63 minutos], marquei um golo [aos 82] e ganhámos 1-0. Problema resolvido (risos).

MF – E como eram os treinos com o senhor Robson?

KB – Muito divertidos, até porque o preparador-físico [Roger Spry] punha música e obrigava-nos a dançar. Uma maluqueira. Mas antes ainda tivemos o professor Terzisky, que era um búlgaro fabuloso. Depois o Bobby Robson trouxe o Roger Spry, que era uma pessoa interessante e com métodos diferentes. Era quase um psicólogo, mexia connosco.

MF – O pior momento foi o acidente de carro do Cherbakov?

KB – Sim, claro. Isso foi muito triste. Fui o primeiro a visitá-lo no hospital depois da operação. Ainda havia a esperança de vê-lo a andar. Continuamos a ser grandes amigos. O Cherbakov merecia ter jogado mais anos porque, sinceramente, era um grande jogador e muito jovem.

MF – Esse balneário do Sporting, aliás, tinha muitos jogadores jovens.

KB – Havia uma mistura muito interessante. O Figo, o Filipe, o Paulo Torres, todos foram campeões do mundo de Sub20 por Portugal. E depois chegaram alguns estrangeiros mais experientes. Eu tinha 24 anos quando cheguei e integrei-me muito bem com esses miúdos. A atmosfera era boa, tenho grandes saudades dessa malta.

MF – No final da taça em 1995, o Balakov jogou sabendo já que ia ser o seu último jogo no Sporting?

KB – Sim, já sabia umas semanas antes. E os sócios também já sabia, já se falava disso nos jornais. Foi um fim quase perfeito, só faltou o campeonato. Acabei esse jogo às costas dos adeptos, foi muito emocionante.

MF – E escolheu o Estugarda, onde ainda jogou oito épocas. Até aos 37 anos. Porquê o Estugarda?

KB – Porque o Estugarda foi rápido a abordar-me e prometeu construir uma equipa à minha volta. Tinham a ambição de ganhar o campeonato. Joguei ao lado do Fredi Bobic, do Giovane Elber, do Thomas Berthold… era uma equipa forte. Ganhámos uma taça e fomos uma vez segundos classificados na Bundesliga. Jogámos a final da Taça das Taças em 2000 contra o Chelsea, tive muito sucesso no Estugarda. Não joguei numa equipa grande da Europa, do nível do Barcelona ou Real Madrid, mas tive uma grande carreira. Estou muito satisfeito com o que fiz.

MF – Iniciou na Alemanha a carreira de treinador. De Portugal nunca teve convites?

KB – Convites oficiais, não. Não posso dizer que sim. Tive conversas com dirigentes e empresários, criei até alguma expetativa, mas nunca aconteceu. Gostava de treinar em Portugal, mas para isso tem de haver interesse das duas partes. Vou a Portugal muitas vezes, visito amigos, jogo golfe, adoro o país.

MF – Vamos então ao Mundial de 1994. Essa Bulgária começa com uma derrota mas vai até às meias-finais.

KB – Precisamente. Perdemos 3-0 contra a Nigéria e ninguém dava nada por nós. Eu sabia que tínhamos uma equipa cheia de jogadores especiais. Ganhámos à Grécia, à Argentina e passámos aos oitavos-de-final. A partir daí fizemos exibições espetaculares. México, Alemanha e depois a derrota contra a Itália. Foi um sonho. A Bulgária nunca tinha ganho um jogo em Mundiais e depois fizemos um torneio destes. Fizemos história.

MF – É raro juntar jogadores como o Stoichkov, o Balakov, o Kostadinov… foi a melhor Bulgária de sempre?

KB – Sim, posso dizer isso. Antes de nós houve boas seleções, mas nunca ninguém fez o que essa seleção conseguiu.

MF – O Stoichkov nunca o tentou levar para o Barcelona?

KB – Tentou, sim senhor. Logo depois do Mundial de 1994. Recebi uma proposta formal, mas o Sporting rejeitou-a. Pediu mais um milhão por mim e o Barcelona acabou por ir contratar o Hagi ao Brescia. Acho que o Sporting pediu cinco milhões por mim em 1994.

MF – E nessa Bulgária quem era o marcador de livres? O Balakov ou o Stoichkov?

KB – Essa é que era a grande questão (risos). Nós batíamos os dois muito bem, mas sabem que o Hristo era o ‘chefe’. Ele batia mais vezes, mas às vezes lá me deixava marcar um ou outro.

MF – Dessa Bulgária de 1994 faziam parte outros dois ex-jogador do Sporting: Iordanov e Guenchev. Ainda mantém contacto com eles?

KB – Sim, sim, estamos muitas vezes juntos. O Guenchev é o responsável pelo departamento de observação aqui do meu clube, o Etar. O Iordanov agora não está a treinar, mas almoçamos quase todas as semanas.

MF – De certeza que viveu episódios engraçados no Mundial dos EUA.

KB – Muitos (risos). Posso recordar o jogo contra a Argentina, jogado com um calor insuportável. Mais de 40 graus, ao meio-dia. O Maradona já não jogou, porque tinha sido apanhado com doping no final do jogo anterior. Alguns colegas diziam a brincar ‘o Diego dopou-se para não ter de apanhar com este calor’ (risos). Era um génio, o meu ídolo. Tive muita pena que não tenha jogado contra nós. A Argentina tinha o Caniggia, que ainda passou pelo Benfica.

MF - …

KB – Ah e aconteceu outra. Acho que nunca contei isto. Esta foi no dia do jogo contra a Itália, meias-finais, em New Jersey. O jogo era às 17h30 e o nosso almoço no hotel era às 12h30. Nesse dia fomos almoçar e o diretor do hotel veio ter connosco: ‘vão ter de esperar, aconteceu um problema. Uma pessoa invadiu a cozinha e temos medo que tenha envenenado a vossa comida’.

MF – E o que fizeram vocês?

KB – Esperámos uma hora e meia (risos). Eles tiveram de fazer toda a comida outra vez. Comemos pouco, descansámos pouco antes do jogo e perdemos contra a Itália. Muitos colegas meus dizem até hoje que não se sentiram bem durante o jogo. Foi muito estranho.


FONTE: MaisFutebol