O elogio da lentidão

Portugal voltou a empatar em casa na qualificação para o Euro 2020, desta vez frente à Sérvia, num jogo sôfrego em que Ronaldo saiu lesionado e apenas Danilo conseguiu finalizar.

Faço parte de um grupo de gente muito felizarda que, de quando em vez, recebe na caixa de e-mail uma série de textos - em português, em inglês, em francês - anotados pelo professor Vítor Frade, criador da periodização tática.

Ora uma das páginas anotadas pelo professor na sua mais recente compilação é o editorial deste mês da "Courrier Internacional", intitulado "a importância da lentidão". Nele, Rui Tavares Guedes resume a sua viagem ao Butão, que dizem ser um dos sítios mais felizes do mundo, por uma razão muito simples: ninguém tem pressa para nada e há sempre tempo para tudo.

"A falta de tempo, admitamo-lo, é uma doença dos tempos modernos. E as suas consequências não afetam apenas o nosso bem-estar individual. Há também um 'sofrimento' coletivo cada vez mais visível: a necessidade de agir rapidamente, no instante imediato, está a fazer reduzir a capacidade de raciocínio e de reflexão nas sociedades. "O cérebro é uma máquina lenta", lembra, repetidas vezes, o cientista italiano Lamberto Maffei, no seu livro 'Elogio da Lentidão', em que explica que "a tecnologia tornou mais rápidas as comunicações entre os humanos, mas as comunicações entre neurónios permanecem inalteradas". Ou seja, precisamos de tempo para pensar", escreveu Rui Tavares Guedes.

Decorria o intervalo do Portugal-Sérvia quando me lembrei disto e a razão é simples: a nossa seleção sofre de um mal que afeta amiúde o futebol moderno, chamado excesso de velocidade. Na verdade, há quem lhe chame simplesmente "intensidade" - aquele fulgor mais facilmente observável numa modalidade em que são as pernas que se destacam, mas é o cérebro que comanda.

É que quem até nas curvas quer acelerar, corre o sério risco de se espetar - e Portugal, esta noite, na Luz, fosse pelo empate de sexta-feira frente à Ucrânia, fosse pelo golo prematuro da Sérvia, jogou quase sempre de forma sôfrega, a roçar, até, o desespero, querendo sempre acelerar o que, muitas vezes, precisava de... pausa.

Sem Rúben Neves, João Moutinho e André Silva (e, já agora, João Félix, dispensado por lesão - e que jeito teria dado num jogo assim), com Danilo, Rafa e Dyego Sousa, Portugal apresentou-se declaradamente em 4-4-2, com Rafa e Bernardo pelos corredores - mas a entrarem por dentro, para permitir a subida dos laterais Guerreiro e Cancelo -, Danilo e William no meio, e, mais à frente, Ronaldo e Dyego Sousa.

A entrada de Danilo no meio-campo permitiria, em teoria, uma melhor transição defensiva, mas o médio portista não tem as habilidades que tem Rúben Neves em construção, e foi assim que, ao cinco minutos, pressionado por um adversário, esticou uma bola na frente. Essa bola foi rapidamente recuperada pelos sérvios, que aproveitaram o espaço vago deixado por Cancelo - estava subido, porque Portugal estava em fase de construção - para irromper por ali e, perante um adversário desequilibrado, Tadic fez um passe fantástico para a desmarcação de Gacinovic, já na área portuguesa, onde Rui Patrício derrubou o sérvio (acabou por sair lesionado).

Na marcação do penálti, Tadic - grande exibição - fez o 1-0, logo ao sexto minuto de jogo.

Portugal passou a correr, assim, atrás do prejuízo, quase sempre com pressa, quase sempre sem grande clarividência. Ronaldo tentou, de fora da área, em iniciativa individual; Rafa tentou, dentro da área, após um ressalto; mas ambos os remates encontraram pela frente o guardião Marko Dmitrovic.

Ao contrário do que tinha acontecido contra a Ucrânia, perante quem Fernando Santos até tinha dito que houve demasiada circulação de bola lenta, fora do bloco adversário, Portugal tentou verticalizar muitas bolas para o ataque, através de cruzamentos, quiçá pela presença da dupla de referências Ronaldo-Sousa.

Só à meia-hora de jogo, quando Cristiano acabou por sair lesionado, depois de sprintar para uma bola e ressentir-se da velocidade imposta, é que Portugal começou a circular a bola por outros caminhos, aproveitando agora a presença de Bernardo no corredor central - passou a estar nas costas de Dyego, com Pizzi a entrar para médio direito.

Ainda assim, foi num lance individual, já em cima do intervalo, que a seleção empatou, com Danilo a redimir-se da jogada que daria origem ao golo sérvio. Entrando em condução pelo corredor central, Danilo apercebeu-se da falta de linhas de passe, já que os sérvios lhe fecharam a ligação para o corredor direito, para onde parecia que ia endereçar a bola, e aproveitou para rematar à baliza dali mesmo - conseguindo um golaço ao ângulo direito da baliza.

Na 2ª parte, o volume ofensivo de Portugal aumentou ainda mais, com Bernardo e William a procurarem, dentro do possível, pautar o jogo, e com a Sérvia a defender com muita gente atrás da linha da bola, mas também a sair em transições perigosas sempre que possível - Tadic assustou Patrício e Ljajic também.

Já com André Silva no lugar de Dyego, Portugal esteve perto do golo em várias situações confusas dentro da área, com a maior delas a ser protagonizada por Bernardo, que ofereceu o golo a Pizzi, mas o médio rematou contra Dmitrovic e, na recarga, William não conseguiu finalizar.

Aos 72 minutos, depois de um cruzamento largo de Pizzi, André Silva cabeceou, na área, a bola contra o braço de Rukavina. O árbitro Szymon Marciniak apitou para o pontapé de penálti, mas, após consultar o árbitro assistente, voltou atrás na decisão.

Até ao final, já com Guedes no lugar de Rafa, Portugal continuou, de forma até frenética, a procurar a área adversária, mas a bola teimou em não entrar - a seleção terminou o jogo com 27 remates efetuados.

Em dois jogos em casa, dois empates. Agora, venha daí o tempo. Para refletir. Porque nem sempre o que vai mais rápido é o que chega mais longe.


FONTE: TribunaExpresso