“Ia com medo para Nápoles, quando o carro se atravessou à frente do táxi e saíram dois homens. Pensei: ‘Nem cheguei e já vou ser assaltado’”
A mãe partiu para Madrid, era ele recém-nascido, para tentar melhorar a vida. Foi criado pelos avós, em Cabo Verde, até aos 15 anos, na companhia de mais nove tios a quem ainda hoje chama de irmãos. O sonho do futebol trouxe-o a Portugal, mas esteve quase a desistir e a tornar-se cozinheiro, em Espanha, antes do Belenenses o segurar. Casado, pai de dois filhos e com uma enteada, Rolando, diz que se a perfeição existisse no futebol ela era feita dos ensinamentos de tática de JJ, com os da técnica do professor Jesualdo. A entrevista é feita destas e de outras histórias do defesa central que termina contrato esta época com o Marselha.
Nasceu em São Vicente, Cabo Verde. Fale-me um pouco da sua família, do que faziam os seus pais, se tem irmãos...
Da parte da minha mãe sou filho único. Do meu pai tenho mais dois irmãos, um mais novo e um mais velho. Mas eu cresci com os meus avós maternos. A minha mãe ainda era novinha e não trabalhava, vivia com os pais. Quando nasci, ela emigrou para Espanha, foi trabalhar para Madrid. O meu pai não tinha uma profissão por assim dizer. De vez em quando desenrascava umas pinturas e como tinha jeito para a cozinha, na altura das festas era cozinheiro.
Não chegou a viver com a sua mãe?
Não. Nem com a minha mãe, nem com o meu pai. Vivia com os meus avós e via o meu pai de vez em quando.
Qual é a primeira memória da sua mãe?
Acho que a primeira vez que a vi, eu devia ter seis anos. Ela foi a Cabo Verde. Como tinha documentos temporários, até conseguir os definitivos não podia sair da Espanha. Por isso teve de ir aguentando.
Recorda-se de alguma coisa em especial desse dia em que a conheceu?
Claro. E ela ainda hoje em dia me fala disso. Como cresci com a minha avó, nesse dia aconteceu uma coisa que para mim era normal, mas para ela não e ela ficou triste, já nem queria voltar para Madrid. A meio da noite deu-me vontade de ir à casa de banho fazer xixi, levantei-me e acordei a minha avó para ir comigo em vez de acordar a minha mãe. Para mim era uma coisa normal, mas a minha mãe levou a mal e passou dois dias a chorar por causa disso, disse que tinha perdido o filho. Depois chamava-lhe pelo nome e à minha avó por mãe, ela também não gostava, achava que tinha perdido o filho. Hoje em dia brincamos com isso (risos), mas na altura não era nada engraçado para ela.
Começou a escola em Cabo Verde. Gostava ou nem por isso?
Tirando os testes (risos) adorava a escola. Sempre gostei da escola e a minha avó deixou bem claro que se eu queria ser alguém na vida tinha de seguir com os estudos. Então meti na cabeça que tinha de ir para a escola; gostava de ir e até não me dava mal.
O futebol naturalmente começou na rua.
Com certeza. Como cresci na casa dos meus avós que têm em conjunto dez filhos, contando com a minha mãe, vivia com esses nove tios. Desses, seis são homens e então jogávamos futebol a toda a hora. Com eles aprendi a dar os primeiros toques, o bichinho começou por aí.
Nessa altura torcia por que clube?
Quando era bem pequeno, em minha casa como a maior parte dos cabo-verdianos, éramos do Benfica, gostava do Benfica.
Como vai parar ao Batuque, o seu primeiro clube, ainda em Cabo Verde?
Tinha à volta de 7, 8 anos. Tinha 2 colegas do meu bairro que jogavam lá aos fins de semana. Como era longe de casa, eu não tinha essa vontade, nem pensava nisso. Mas um dia eles disseram-me: “Temos um treino hoje, vamos jogar com os mais velhos, se quiseres vens connosco. Vamos divertir-nos um pouco”. Como não tinha nada para fazer nesse dia fui com eles. O problema é que eu era avançado e eles meteram-me à defesa; não gostei e não queria voltar mais. Mas o treinador convenceu-me que iria pôr-me a médio e depois a avançado e continuei a ir. Foi assim que aconteceu. Começou a meter-me mais na frente; depois com o tempo fui baixando, mas o treinador conseguiu convencer-me, comecei a gostar, já não achava o caminho tão longe, comecei a arranjar amizades e acabei por ficar.
Veio para Portugal com 15 anos. Porquê?
Foi nessa altura que comecei a entender algumas coisas. Como o meu clube em Cabo Verde tinha contactos em Portugal, seria bom vir para tentar jogar e estar mais perto dos meus pais. Como vinha para Campo Maior que era próximo da fronteira, estava próximo, poderia jogar futebol, terminar os meus estudos e entrar para a universidade, que era o meu objetivo principal.
Disse que vir para Portugal era também uma forma de estar mais perto dos seus pais…
A minha mãe veio para Espanha quando eu era recém-nascido e, passados uns anos, o meu pai também foi para Espanha, ter com a minha mãe. Vim para Portugal pela possibilidade de jogar futebol, de continuar com os meus estudos, entrar para a universidade, estar mais perto dos meus pais e de criar uma relação diferente, que não tinha, com eles.
Tinha alguém de família em Campo Maior?
De família minha, não. Tinha um colega do Batuque. Viemos os dois fazer testes e acabámos por ficar. Havia um jogador cabo-verdiano que jogava no Campomaiorense, o Cao, e a partir daí, com o empresário, conseguiram que nós fizéssemos um pequeno teste e acabámos por ficar.
Custou-lhe sair de Cabo Verde e deixar os seus avós?
Passado uma semana, quando me deram um dinheirinho, liguei para casa, a dizer que queria voltar, que era muito pequeno, muito novo, que não conseguia; preferia voltar para o aconchego da casa, ao que estava acostumado. Queria voltar para casa a todo o custo, mas os meus tios, que eram como se fossem meus irmãos, disseram-me que era impossível voltar para casa, que já estava na Europa, tinha de continuar. Era a única forma de eu conseguir alguma coisa na vida, tinha de ser assim. Lá me convenceram e acabei por ficar.
Que memórias mais fortes tem de Cabo Verde?
A primeira coisa que me vem à cabeça quando penso em Cabo Verde é a alegria. É um país onde não há grandes condições mas as pessoas, com o pouco que têm, são felizes. Se vou sempre de férias para Cabo Verde é para procurar essa felicidade do nada. Eles são felizes e não se preocupam com nada. O “hoje” é o mais importante e isso na minha vida ajudou-me muito, é a alegria de viver e aproveitar cada dia como se fosse o último. Em Cabo Verde a mentalidade é essa: o dia é hoje e amanhã logo se vê.
Além dos dos seus avós, do que é que sentia mais falta de Cabo Verde?
Dos amigos, dos meus irmãos, porque passávamos a vida juntos, fazíamos tudo em conjunto. E quando digo meus irmãos, são os meus tios, porque com os dois irmãos da parte do meu pai não tinha uma grande relação. Sentia a falta deles, não tinha ninguém para me dar na cabeça e dizer o que devia fazer. E era complicado ter de tomar as decisões sozinho tão cedo, ter de fazer tudo à minha maneira, não estava preparado para isso.
Vivia onde e com quem em Campo Maior?
O clube alugou uma casa para mim e para esse colega cabo-verdiano. Comíamos no restaurante dos Nabeiro e durante três anos vivi ali, nessas casas alugadas pelo clube.
Lembra-se do valor do seu primeiro ordenado?
O meu primeiro ordenado foram 5 contos (25€) (risos).
Onde é que os gastou?
Carreguei o telemóvel para poder falar para Cabo Verde. Gastei mil escudos para falar com a família de Cabo Verde. O resto guardei e juntei com mais quatro ordenados para poder comprar uns ténis que os meus já nem sola tinham (risos). Decidi juntar para comprar outros. Foi a primeira coisa que comprei com o meu ordenado: uns ténis.
Os seus pais foram visitá-lo a Campo Maior ou o Rolando ia visitá-los a Espanha?
Nessa altura o meu pai já era cozinheiro num restaurante e a minha mãe era doméstica, não dava para eles irem a Campo Maior. Quando eu tinha uma folga de dois, três dias apanhava o autocarro, fazia oito horas de caminho para ir visitá-los.
Quantas épocas esteve no Campomaiorense a fazer formação?
Três épocas.
Há alguma amizade especial dessa altura?
Houve uma fase em que deixei de morar na casa do clube e fui habitar com a família Paio com quem ainda hoje tenho uma relação e ainda hoje chamo a senhora de mãezinha e o senhor de paizinho. Foram eles que me ajudaram. Vivia praticamente na casa deles, eles tinham 2 filhos que são como irmãos para mim. A família Paio, como eles próprios diziam, era a minha família branca e eu era o filho negro deles.
Como é que os conheceu?
O filho mais novo jogava comigo e éramos colegas de escola. Fazíamos muita coisa juntos e quando eu fiquei sozinho na casa do clube, ele falou com os pais e convidou-me para ficar com eles.
A adaptação à escola em Portugal foi complicada?
No início foi, porque na vila de Campo Maior não existiam negros e as pessoas olhavam para mim de lado. Como era uma vila pequena as pessoas não aceitavam muito bem quem viesse de fora, ainda por cima um negro a que eles não estavam acostumados. Na escola olhavam para mim de lado também porque tinham tido durante três meses um cabo-verdiano que não se tinha portado nada bem. A primeira coisa que me disseram foi que ao mínimo erro eu seria expulso da escola; comecei já sob pressão. Nos primeiros 6 meses foi muito difícil.
Treinadores, houve algum que o tenha marcado no Campomaiorense?
Sim. Quando chego e faço os testes, meteram-me a treinar com a equipa de su- 17 e eu não conseguia dominar uma bola, não conseguia fazer um passe. Era a primeira vez que pisava relva, estava acostumado a jogar só em pelados, queriam mandar-me embora e tudo. Mas o mister Marco Calaças falou com as pessoas do clube e disse-lhes: “O miúdo vem de Cabo Verde, jogava em pelados, não está habituado a jogar na relva, deem-lhe mais uma semana. O clube tem pelado ponham-o a jogar no pelado e tirem as vossas conclusões. Acho que ele tem qualidade e vai conseguir, na relva é que não se consegue expressar bem”. Fiz uma semana no pelado e correu bem, graças ao mister Calaças com quem ainda hoje tenho contacto.
Por que foi tão difícil adaptar-se à relva?
Normalmente quando se joga no pelado já sabes que a bola vai ressaltar e o apoio é diferente, o terreno é mais duro. Já estava acostumado a isso, era a minha casa, era o meu habitat. Mas depois de algum tempo de treino, ganhei confiança e acabou por ficar mais fácil.
Ficou no Campomaiorense até quando?
Até aos 17 anos, depois vou para Belém.
Como acontece a ida para o Belenenses?
Aconteceu por acaso. Quando vou para o último ano de júnior, o presidente do Campomaiorense disse que não iam apostar mais nos jovens, não sabiam o que iam fazer com os jovens e que quem tivesse a ambição de ser alguém no futebol tinha de ir embora. Como queria ser jogador ,disse que queria ir embora e comecei a fazer testes em algumas equipas em Portugal e no estrangeiro.
Em que equipas?
Estive no Lens de França, no Paris FC, no Amiens e não correu nada bem (risos). Ainda estive em Inglaterra, no Southampton, aí correu muito bem, mas como ainda não tinha documentos portugueses não podia ficar. Fiz os testes em França na altura do Carnaval; na altura da Páscoa fui fazer os testes em Inglaterra e na última semana da Páscoa fui ao Boavista, foi o último antes do Belém.
Quando foi fazer esses testes fora, foi com algum empresário ou foi pelos seus meios?
Fui com o meu empresário que tinha trazido de Cabo Verde, o João José, que tinha esses contacto e que me levou. Também estive no Benfica a fazer testes, mas disseram-me que não tinham gostado. Depois disso, quando liguei para os meus pais ,disse-lhes que tinha decidido ir para Espanha, para ir ajudar o meu pai, ver como era ser cozinheiro.
Queria desistir do futebol?
Sim. Porque não dava, fiz muitos testes, diziam sempre que tinham gostado mas tinha sempre um “mas”. Já estava farto e disse que ia trabalhar. Continuar a estudar e trabalhar, era isso que ia fazer. Entretanto, o meu empresário liga-me e diz que tinha conseguido um teste no Belenenses. Disse-lhe que seria o último porque já estava farto de fazer testes. Graças a Deus que apareceu essa oportunidade porque senão hoje era um cozinheiro ou um ajudante de cozinha (risos).
Como foi essa nova experiência?
Quando vou fazer o teste no Belenenses, a ideia era treinar com os juniores, porque era o meu último ano de júnior. Só que o clube disse que por estar no meu último ano de júnior, para ver se tinha qualidade ou não, iria fazer o treino com os seniores. Quando lá chego, qual não é o meu espanto quando começo a ver o Marco Aurélio, o Wilson, o Figueira, o Tuck… . A minha perninha tremeu um pouco (risos), mas por acaso correu muito bem e quando fui assinar o contrato, como não tinha um sítio para ficar, eles disseram que tinha de arranjar uma forma. O meu pai tinha uma prima que vivia na zona de Lisboa e acabei por ficar a viver na casa dela no primeiro ano.
Quem era o treinador do Belenenses nessa altura?
Dos seniores era o mister Manuel José.
Foi ele que o viu a treinar com os seniores.
Sim. Passados três anos, fomos jogar com o Egito e era ele o treinador. Fomos cumprimentar toda a gente, eu achava que ele já nem se lembrava de mim, e não é que ele me dá um grande abraço e diz: “Miúdo eu lutei para que ficasses no Belenenses, sabia que tinhas qualidade e estou contente por ter lutado por ti, sabia que irias ser jogador”. Isso tocou-me muito, marcou-me muito. Sei que fiquei no Belenenses muito graças a ele que convenceu as pessoas para eu ficar. Nessa altura, ficar era complicado, porque só podia jogar um estrangeiro e eles tinham outro estrangeiro de que gostavam, mas o mister Manuel José fez questão que assinassem comigo, que o outro nunca iria treinar com os seniores. Ele queria que eu ficasse, fez muita força para isso e graças a ele fiquei.
Nos juniores, onde ainda fez uma época.
Sim. Era um grupo muito bom, onde estava o Ruben Amorim que, depois foi para o Benfica, o Gonçalo Brandão, o Bruno Simão, que era internacional de sub 20. Tínhamos uma boa equipa júnior e fizemos uma boa época. Treinávamos quase todos com a equipa principal e aos fins de semana íamos jogar nos juniores.
Quando veio para Lisboa inscreve-se na escola?
Não, porque quando ainda estou no Campomaiorense, termino o 12.º ano e fui fazer também um teste no Boavista. Eles gostaram de mim, disseram-me que ia ficar. Tratei de tudo, acabei por entrar no universidade do Porto, pensando que ia jogar no Boavista, mas à última hora, como era estrangeiro, eles não podiam ter dois e já tinham um, não fiquei. Por falta de informação, eu não sabia que podia trancar a matrícula, acabei por não ir para a universidade.
Qual era o curso em que estava inscrito?
Engenharia electrotécnica.
De onde surgiu esse gosto?
Tenho um primo mais ou menos da mesma idade que também estava para ir para a universidade e combinamos fazer o mesmo curso e depois abrir uma empresa em Cabo Verde, porque era um área que lá não estava explorada. Ele acabou por fazer isso, eu não.
Como foi a passagem de júnior a sénior no Belenenses?
No final da época, praticamente todo o grupo dos juniores que treinava com os seniores ficou a fazer a pré-temporada com a equipa principal. Éramos sete centrais mas, para sorte minha, lesionaram-se um a um e acabei por terminar a pré temporada e ficar no grupo, já não tínhamos mais centrais.
O treinador já era o Carlos Carvalhal?
Sim. Eu era para ter sido emprestado a um clube da 2.ª B, mas como estavam sem centrais fiquei com o grupo.
Lembra-se da sua estreia como sénior?
Como se fosse agora, foi um momento com que sempre sonhei: estreei-me em casa contra o Marítimo e ganhámos 3-0. Tive a sorte de ser o primeiro jogo do campeonato e de fazer o 1-0. Fiz o primeiro golo desse campeonato.
Foi titular?
Fui titular. Eu tinha acabado pré-temporada a jogar a central com o Pelé, a quem tenho muito que agradecer porque ele foi como um irmão mais velho para mim, ajudava-me em tudo. Eles tinham contratado um central brasileiro, o Sandro, que era capitão do Botafogo mas como ele chegou um pouco mais tarde na pré-temporada, o mister chegou-se ao pé de mim e disse: “Ó miúdo, sei que veio o Sandro que é um jogador muito bom, muito experiente, mas se respeitares uma condição, és tu que vais jogar”. “Mister, diga-me qual é essa condição que para mim não há problema”. E ele: “Vais à conferência de imprensa, vamos os dois e tu vais falar. Vamos chegar lá e eles vão perguntar-te se vais jogar. Tu vais dizer: ‘no próximo jogo vou ser eu e mais dez’. Se disseres isso jogas, se não disseres não jogas”. E assim foi. Quando dei aquela resposta os jornalistas ficaram espantados (risos). Um miúdo de 18 aninhos, no primeiro jogo a dizer aquilo. Depois perguntaram-me: “Mas estás a dizer isso porquê?”. E eu: “Olhe tenho ordens para dizer isto. Se o disser já sei que vou jogar, agora o resto perguntem ao mister porque ele é que me mandou dizer isso” (risos). Foi engraçado ver a cara dos jornalistas.
Também deve ter sido giro ver a cara do Carlos Carvalhal quando o Rolando o desmascarou.
Ele tinha-me dito faz isso e estás tranquilo. Ele estava lá do meu lado e disse: “O miúdo tem estado muito bem na pré-temporada, estava à procura de uma dupla que funcionasse, os outros estão lesionados e esta dupla, Rolando e Pelé dão-se muito bem, têm uma relação extra futebol fantástica e então vão jogar o dois”.
Gostou do Carlos Carvalhal como treinador?
Com certeza (risos). À parte disso, quando depois descobres o futebol profissional, é tudo novo, é tudo diferente e com ele aprendi muita coisa. Ele tinha uma relação muito próxima com os jogadores, adorei mesmo trabalhar com ele.
Nessa primeira época como sénior no Belenenses foi viver para onde?
A partir do momento em que assino o contrato sénior, alugo uma casa em Alfragide, ficava a 5 minutos do Estádio do Restelo. Fui morar para perto do Marco Aurélio, que me dava boleia para os treinos.
Correu bem a época.
A primeira parte da temporada correu lindamente. Depois, com a volta dos outros centrais que tinham estado lesionados e como tivemos dois ou três resultados negativos, acabei por perder o lugar. Mas para quem ia ser emprestado para uma equipa da 2ª B foi uma primeira parte da temporada muito positiva.
Na época seguinte vem o José Couceiro, certo?
Creio que ainda começámos com o Carvalhal, que sai a meio, e depois vem o Couceiro. Quando ele chega eu, que tinha começado a temporada a jogar, estava no banco. No primeiro treino diz-me: “Miúdo, acabei de chegar não posso mudar a equipa, mas treina bem que na próxima jornada - sei que tens potencial para poderes ser um bom central -, se treinares bem, na próxima semana já vais ser titular”. Ele manteve a palavra e joguei até ao fim da época.
Entretanto foi chamado à seleção.
Antes de ser chamado à seleção de Portugal, o seleccionador de Cabo Verde veio falar com o Pelé, que lhe diz que tinha uns problemas familiares para resolver e não podia ir à seleção. O Pelé sugere-lhe que me leve, a mim, porque eu era um miúdo, iria ser o futuro da seleção de Cabo Verde. Ainda me lembro desse dia, estava ao lado dele. Mas o selecionador disse: “O miúdo até não é mau mas não tem condições para jogar na seleção de Cabo Verde”. Foi um dia muito triste para mim que sonhava com a seleção de Cabo Verde, nem sonhava com a seleção portuguesa. Mas como o mundo dá voltas, passado uma semana liga-me o mister Agostinho Oliveira e perguntou-me: “Miúdo queres vir para a seleção de Portugal?”. E eu: “Mister desculpe mas não sou português, nem tenho documentos”. “Só te fiz uma pergunta. Responde sim ou não, o resto trato eu”. “Claro que gostaria”. A partir dali ele deu entrada da papelada para a minha nacionalização e assim já podia ser chamado. A primeira vez que fui chamado e convocado foi direto para o Europeu e foi óptimo.
Para o Europeu de sub 21?
Sim. Fiz esse Europeu e, como foi num ano em que mudaram as regras, foram dois anos seguidos de Europeu, 2006 e 2007.
Não ficou chateado de não ter representado mais a seleção de Cabo Verde?
Fiquei chateado de não me terem levado daquela vez porque, na altura, era simplesmente cabo-verdiano, vivia em Portugal mas não era português. Não tinha documentos por isso não pensava sequer em representar Portugal. Mas a partir do momento em que o mister Agostinho Oliveira deu a entrada da papelada, dei-lhe a minha palavra que, se ele conseguisse, eu iria com muita alegria representar a seleção portuguesa. O estranho foi que depois o selecionador de Cabo Verde ligou-me a convocar. Mas eu disse-lhes: “Desculpem mas eu só tenho uma palavra e já dei a minha palavra à seleção de Portugal de sub 21. Há um mês disse-me que eu era um miúdo, sou o miúdo de sempre. O que é que mudou? Dei a minha palavra à seleção de Portugal e a minha palavra é uma. Já me decidi”.
Como foi o segundo ano no Belenenses?
Não correu lá muito bem. Houve o famoso caso Mateus, íamos diretamente para a II Liga, foi uma época complicada, muito difícil a nível de coletivo.
A seguir vem o Jorge Jesus.
Sim, e aí é que começou a minha carreira a sério.
Porque diz isso?
Porque ele ensinou-me coisas que eu nem sabia que existiam no futebol. As coisas que uso no meu futebol aprendi com o mister Jorge Jesus.
Pode dar um exemplo concreto?
Ele dizia: “No futebol tens a bola, tens o espaço e tens o homem para marcar. O que é mais importante? Eu dizia-lhe “Ah mister eu tenho de marcar o meu homem, depois logo se vê”. Ele explicava “Não, a coisa mais importante no futebol é a bola”. E depois o que é a seguir mais importante? “Mister, depois da bola é o adversário?”. E ele dizia, “Não, é o teu colega porque tu vais posicionar-te de acordo com o teu colega. E depois?"; "É o homem?" dizia eu. “Não, eu sei que tens de marcar o homem, mas não é o homem, é o espaço porque tu tens é de marcar o espaço. Depois é que vem o homem”. Só que depoi ele dizia que havia uma situação onde tudo podia mudar, dentro da área quando o avançado vem para finalizar, aí tu podes ir um pouco mais para cima". É por isso que ele mudava os jogadores de posição e toda a gente sabia o que fazer. Ele ensinava consoante a posição. Ele chegou a meter-me a médio centro, a central direito e eu sabia fazer as coisas porque ele trabalhava muito o aspeto tático. Muda-te de posição e tu sabes o que fazer. Eu sei que a perfeição não existe mas se existisse, seria o que ele te ensina, a táctica. Guardo isso até hoje. Se algum dia seguir alguma coisa ligada ao futebol, são os ensinamentos dele que vou passar para as futuras gerações.
Costuma falar com ele?
Sim, ainda temos contato porque a importância que ele teve para mim é imensurável, e já lho disse. Se sou jogador e se aprendi alguma coisa para chegar ao nível aonde cheguei é graças a ele.
Como e quando se dá a sua ida para o FCP?
Eu e o Amorim vamos para o Europeu de Sub 21, estamos os dois no último ano de contrato com o Belenenses e antes de irmos resolvemos meter uma pressãozinha para obrigar a assinar contrato, para quando voltarmos ser tranquilo. Só que entretanto houve mudança do presidente no Belenenses e quando chego o falecido engenheiro Cabral assume a presidência e nesse mesmo mês de dezembro, propõe a renovação do contrato para mim e para o Amorim. Foi num momento triste porque eu disse que pelo clube e pelo presidente adoraria assinar, mas fui sincero, disse-lhe que a minha questão não era de valores, que estava muito agradecido ao Belenenses, sou Belém até à morte, mas aquele é o momento em que posso e devo dar o salto na minha carreira, porque acho que posso atingir um nível maior. Ele ficou triste comigo e com o Amorim que também queria a mesma coisa, mas compreendia que tínhamos qualidade para ir para outro nível. O que acabou por acontecer. Havia dois ou três clubes interessados.
Quem?
O meu empresário falou com o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, que nos mandou ir ter a um hotel. Quando chegamos ele estava sentado sozinho. O meu empresário vai para o cumprimentar e ele “Dá-me um tempinho que já falamos”. Pelo que vi ele estava lá sentado sem fazer nada e passada meia hora (nós lá, meia hora a pastar), ele chama-nos e diz “Miúdo sei que nasceste em Cabo Verde, todos os cabo-verdianos são do Benfica”. “Sim”,normalmente todos os cabo-verdianos são do Benfica,” digo-lhe eu. “Então para ti vai ser um orgulho representares o Benfica e isso do contrato depois falamos. Considero-te jogador do Benfica porque isso para ti é o mais importante”. Saí da reunião e a partir dessa altura disse ao meu empresário “Nunca mais me fale desse clube, não quero saber. É uma falta de respeito”. Nessa altura a minha mulher já estava grávida e eu disse “O meu filho vai nascer e eu vou comprar leite com orgulho? A partir de hoje não me fales desse clube que eu não quero saber”.
E depois?
O meu empresário disse “Ok. Tenho um clube mas acho não vais querer ir porque quando eras pequeno eras do Benfica...”. Perguntei-lhe qual era o clube e ele disse que tinha contactos com o FCP. Claro que me interessava , o FCP na altura ganhava sempre. Quando era pequeno gostava do Benfica, mas era uma coisa de criança, as coisas vão mudando sendo profissional. Ele entrou em contacto com o Antero Henriques que foi claro e disse “Nós temos interesse em ti e as condições são essas e essas”. Disse-lhe que tinha interesse e no dia seguinte já lá estavam para assinar o contrato e aí começou a minha história com o FCP.
Disse que a sua mulher estava grávida, mas ainda não falamos dela. Como e quando é que conhece a Jamircia?
Tinha uma tia que morava na linha de Sintra e eu ia regularmente a casa dela. Ela morava no terceiro piso e um dia vi uma miúda que estava a lavar as escadas do prédio. Quando chego lá acima pergunto à minha tia “Estava ali uma miudinha jeitosa lavando as escadas, quem é?”. “É uma miúda que veio de Cabo Verde há uns tempos, para estudar”. “É engraçada” (risos). Passado uns tempos essa miúda, minha mulher hoje, liga-me. “A tua tia disse que querias o meu número. Não gosto de dar o meu número a ninguém mas como ela disse que pediste muitas vezes, liguei para saber o que é que querias”. Eu não tinha falado nada disso com a minha tia, não tinha pedido número nenhum, mas aproveitei e começamos a conversar, a conversar, a conversar, até que depois combinamos um encontro e… já faz 12 anos que começamos a namorar.
E os filhos?
Passado ano e meio de começarmos a namorar nasce o nosso primeiro filho, o Ryan. Passados dois anos, nasce o segundo, o Rafael. Mas quando a conheci ela já tinha uma filha, a Rafaela, que tinha 4, 5 anos. Nós só casamos mais à frente. Sempre disse a ela que queria e gostaria de casar quando terminasse a carreira para fazer uma festa grande, pegarmos nos miúdos e rimos viajar dois meses. Mas acabamos por casar em 2014.
Quando começam a viver juntos ainda estava no Belenenses?
Sim. Nessa altura passávamos praticamente o tempo todo juntos, ela vivia com a irmã e com a filha da irmã que gostava de estar connosco e passava praticamente o dia todo connosco, em minha casa. Passados uns meses a Jamircia teve uma discussão, digamos assim, com a irmã e a partir desse momento disse-lhe para ficar sempre lá em casa. Foi assim que começamos a viver juntos.
A Rafaela não vivia com a Jamircia também?
Não, como a Jamircia tinha vindo para estudar, a Rafaela ficou em cabo Verde com os avós.
Ficou lá até quando?
Até há três anos. Já estava maior e decidiu que era melhor vir para Portugal, para continuar os estudos. É mais fácil ter acesso à universidade em Portugal do que estando em Cabo Verde. Ainda bem que decidiu vir para cá porque é duro estar longe. Se bem que agora eu também estou longe, mas pelo menos está com a mãe e com os irmãos, é melhor assim.
Vamos ao FCP. Foi para cima com a mulher e filho?
Ela ainda estava grávida, fomos os três sim, mas o Ryan ainda estava na barriga.
Como é que foi a recepção no FCP
Foi a adaptação mais fácil que tive na minha vida. Chegados lá, parecia que estava em casa. Foi tudo muito fácil. Era ainda novinho e cheio dúvidas mas quando chegamos, o FCP tem uma pessoa que tratou da casa, dos documentos, do médico para a minha mulher que estava grávida, médico disponível 24 horas, tudo. Eu só tinha que ir treinar. Terminamos o treino e os jogadores novos iam comer com os mais velhos para facilitar a integração. Passado 2, 3 meses parecia que eu já estava em casa, conhecia toda a gente.
Foi praxado?
Com certeza (risos). Na altura fazia-se o corredor da morte. Tínhamos de passar o mais rápido possível para poder fugir dos pontapés, dos socos, dos calduços, dos sapatos, de tudo (risos).
Com quem é que criou logo empatia?
Com o Fernando Reges, que agora está no Galatasaray. Chegamos no mesmo dia e ficamos no hotel juntos, tínhamos mais ou menos a mesma idade, as mesmas ambições, os mesmos sonhos e acabamos por ficar mais próximos e depois acabamos por comprar casa e habitar um ao lado do outro. Ficou uma relação diferente dos outros.
Que tal o prof. Jesualdo Ferreira?
Os 2 primeiros anos foram excelentes. Se tudo o que aprendi da tática foi graças ao Jorge Jesus, tudo o que aprendi de defesa individual foi com o prof. Jesualdo. Lembro-me bem de que quando cheguei ele disse-me “Tens um mesito para treinares à vontade, faz como se estivesses no Belenenses, não te preocupes com nada que eu estou aqui para te ajudar.” Passado um mês chamou-me e disse “A tua forma de trabalhar é assim e assim, eu gosto, mas agora vou ensinar-te a forma como nós trabalhamos aqui e a forma que vai ajudar-te a triunfar no futuro”. Ele ensinou-me a posicionar. Dizia-me, por exemplo, “O atacante tem a bola e tu ao estares sempre de frente nunca estás preparado nem para atacar a bola, nem para atacar em profundidade. Os teus controles são sempre em dois toques, tens de aprender a controlar, a ter controle orientado”. Mesmo na defesa ele metia-nos a fazer o controle orientado e ensinava pequenos detalhes para melhor a técnica individual tanto defensiva, como ofensiva. Juntando o que aprendi com o Jesus taticamente e tecnicamente com o Jesualdo, eu dizia que já me sentia preparado para outros vôos.
Chegou e foi logo campeão, ganhou também a Taça de Portugal. Que tal a sensação de ser campeão?
Ainda em Cabo Verde eu dizia que tinha o sonho de ser jogador de futebol. Lembro-me que as pessoas gozavam comigo, diziam que lá não havia futebol, que não se ganhava nada com o futebol e perguntavam-me como é que eu ia fazer. E eu dizia que se fosse para Portugal nem que fosse para jogar na 2ª divisão, já seria feliz, porque o meu sonho era ser jogador de futebol. Quando cheguei a um clube como o FCP já foi ultrapassar o meu sonho. Não sonhava sequer em ser campeão e no futebol não tem coisa melhor. Ainda por cima o primeiro título foi o de campeão nacional que é algo para o qual passas um ano a trabalhar. A partir daí senti que já tinha conseguido alguma coisa na vida, alguma coisa que me encheria de orgulho e deixaria os meus filhos orgulhosos.
A segunda época corre menos bem, embora tenham conquistado a Taça e a Supertaça.
Sim, no FCP quando não se ganha o campeonato a época não é positiva. Ainda por cima naquela altura o FCP ganhava sempre. Em cada 5 anos, ganhávamos 4. Esse foi por isso um ano difícil, um ano complicado mesmo ganhando dois títulos.
Diz-se que os adeptos do FCP são muito exigentes, que se apanham um jogador na noite, chateiam-se....
...
Mandam-te para casa (risos).
Aconteceu-lhe?
Não, nunca fui muito de sair à noite e de ficar até tarde. Dava umas voltinhas mas ia sempre cedo para casa. A primeira vez que saí e fiquei até de manhã, foi na noite em que fomos campeões. Foi a equipa toda e eram os próprios adeptos a querer que ficássemos até de manhã a festejar. Foi a primeira vez que passei a noite na discoteca. Mas normalmente no Porto a noite não é um bom momento para ti (risos) e se te apanham não fazes outras vez porque lá o grau de exigência é máximo. Se o FCP ganha tantas vezes também é por causa disso, por causa da exigência que existe à volta.
Funciona um pouco como uma aldeia, toda a gente sabe onde é que está toda a gente.
Às vezes até mesmo fora. Tive colegas que foram “caçados” fora de Portugal, em Espanha (risos). O controle é máximo, as pessoas sabem que temos de estar cem por cento concentrados e se o clube te proporciona tudo, também tens de dar tudo pelo clube. Não convém muito estar na noite, embora as pessoas também fossem capazes de entender que havia dias que podíamos estar mais à vontade. Mas se for num dia em que não se pode, aí já te vão chamar, já vais ter problemas.
Nunca teve problemas por causa de saídas?
Quando era mais jovem, no Belenenses, é que tive 1 ou 2 problemazinhos, tinha 18, 19 anos, mas depois aprendi. Obrigaram-me a aprender (risos).
Quando?
Na altura do Carvalhal.
O que aconteceu?
Era sábado, tínhamos jogo e estávamos a fazer um churrasco na casa de um amigo. Estava tudo tranquilo, até que houve um colega que teve a excelente ideia de dizer, “Hoje é dia de festa no Armazém F.” Como eram todos brasileiros, excepto eu, e iam lá estar muitos brasileiros e isto e aquilo, fomos escondidos, mas por mais escondidos que estivéssemos fomos vistos e no outro dia tivemos problemas no clube. Chamaram-nos
Foi castigado?
Com certeza.
Como?
O Pelé que era como se fosse o meu irmão mais velho, assumiu a culpa quase toda para ele. Disse que ele é que me tinha levado e então disseram-me que se acontecesse mais alguma vez, corria o risco de não receber um mês. Como na altura o ordenado era bem baixinho, se eu não recebesse, nem a renda de casa eu poderia pagar e então fiquei com medo e aprendi. Mas nesse fim de semana os que tinham estado na discoteca não jogaram. Para azar da equipa perdemos, mas o treinador disse "A vossa sorte é que perdemos e assim vocês podem voltar à equipa para a semana" (risos). Depois aprendi que tem dias para sair e tem dias para ficar em casa. Aprende-se com os erros. Não digo que nunca mais fiz asneiras, mas vai-se aprendendo.
No FCP é chamado à seleção A.
Sim, para um jogo contra o Brasil, em setembro de 2008. O selecionador era o Carlos Queiroz. Começamos o jogo 1-0 para nós e eu todo contente a pensar "Sou defesa, se calhar vou entrar para segurar o jogo". O Brasil dá a volta e chega um momento em que estamos a perder 5-1. Estou a aquecer e o mister Carlos Queiroz disse-me “Eu queria muito proporcionar a tua estreia mas estamos a perder por 5, é um jogo que vai ficar marcado para sempre e como é o teu primeiro jogo não quero que comeces com uma derrota. Entendi perfeitamente. A chamada seguinte foi em fevereiro contra a Finlândia, aí estreei-me a jogar, já em 2009.
Gostou do Carlos Queiroz?
Sinceramente não foi dos que me marcou mais. Como ainda era novo não estava bem enquadrado na seleção, foram os meus primeiros passos, por isso não tivemos grande relação. Eu era um miudinho que estava na seleção para aprender e preparar-me para o futuro, não tive grande relação pessoal com ele. Mas claro que ter-me chamado para o mundial é uma coisa que vai ficar para sempre.
Chegou a jogar no Mundial?
Isso é que foi a minha grande tristeza, porque acabei por não jogar. Aliás fui o único jogador de campo que não jogou. Fiquei desiludido. Se bem que eu entendia porque na altura era o 4º central, jogava o Ricardo Carvalho, o Pepe e o Bruno Alves. Mas tinha aquela coisa de fazer nem que fossem uns minutinhos para dizer que joguei num mundial.
Vamos voltar ao FCP. Depois do Jesualdo vem o Villas Boas na 3ª época.
Posso dizer que foi o ano mais completo e mais feliz da minha carreira até agora. Foi um ano especial. Ganhar os quatro títulos e ficar na história do clube por isso... . No início do ano diziam que a nossa equipa era uma equipa de bebés, treinado por um menino. Mas essa é também uma das forças do FCP, quando todos estão contra fazer disso a força. Foi o que fizemos, demos a volta e mostramos que estávamos preparados para estar naquele nível.
O André Villas-Boas é muito diferente do Prof. Jesualdo?
Completamente diferentes. O mister Villas-Boas, até pela idade, tinha uma relação completamente diferente connosco. A forma como ele motiva a equipa, ele trabalha o lado psicológico do jogador. Nunca vi uma equipa onde tens 25 jogadores e os 25 estão todos contentes, satisfeitos, jogando 1 minuto, 10 ou os jogos todos. Estava toda a gente a remar para o mesmo lado, ele conseguiu isso. É uma coisa que nunca vi nada igual no futebol, porque tem sempre um ou outro insatisfeito, tem sempre um ou outro que cria um problema, isso acontece sempre. Esse ano foi um ano posso dizer perto da perfeição.
Depois de uma época de ouro com Villas-Boas, o Vítor Pereira que era adjunto sobe a treinador principal. Mas não correu tão bem.
Na altura elegeram-no porque ele já andava connosco, já conhecia os métodos, está por dentro de tudo e por isso poderia ser a forma mais fácil de voltar a ganhar. Mas mesmo tendo os mesmo jogadores as pessoas têm sempre a sua forma de trabalhar e a forma do Vitor trabalhar é diferente da do André. O André dá mais primazia ao grupo, ao bem estar do grupo, à moral do grupo, à motivação. O Vitor é um treinador que entende muito de tática e ele primazia mais os detalhes táticos, então são formas diferentes de trabalhar. Tivemos que nos adaptar a essa mudança.
A época não lhe corre mal, joga bastante, inclusivé é o Rolando que marca os golos decisivos na vitória da Supertaça.
Sim, contra o Vitória que é uma equipa muito especial, apesar dos adeptos não gostarem muito de mim, mas a verdade é que o 1º jogo que vi na I Liga foi no D. Afonso Henriques, ainda eu estava no Campomaiorense, no meu 2º ano. Há um V. Guimarães Campomaiorense e era um jogo decisivo para ver quem descia de divisão. E os adeptos do Campomaiorense foram todos para o D. Afonso Henriques e eu também fui e gostei. Foi uma coisa que me marcou por isso sempre quis jogar contra o Vitória naquele estádio onde vi pela primeira vez um jogo da I Liga. Se calhar era por isso que eu marcava muitas vezes ao Vitória (risos).
Entretanto as coisas começam a não correr bem com o Vitor Pereira. Porquê?
Eu já tinha outros clubes interessados. Era para ser vendido e à última hora como trouxeram o Villas Boas as pessoas do clube falaram comigo porque ele era novo, ia precisar dos jogadores mais importantes, ia precisar de ajuda e então acabei por ficar. No final da época do Villas Boas era para ser vendido, acabei por não ser vendido porque o Villas Boas foi embora e como tiveram que refazer a estrutura técnica pediram-me para ficar, mas prometeram-me que no final da época ia ser vendido.
Não aconteceu.
Não. Mas lembro-me de ter falado com o Vítor Pereira e ele dizer que não podia contar comigo porque tinha informações do clube de que eu e o João Moutinho íamos ser vendidos. Só que falando com os diretores do clube estes diziam-me que não, que eu fazia parte do clube, fazia parte do projeto, que não ia ser vendido. Chegou um momento em que disse ao mister Vítor que se havia alguém do clube a dizer que estou para ser vendido ele que trouxesse esse alguém para me dizer na cara. Um diz-me que eu não conto porque vou ser vendido, o outro diz-me que eu faço parte do projeto do clube. Aí, como se costuma dizer, "quando as coisas nascem tortas já não se endireitam". Começou a haver uma fricção por causa disso e no final da janela de transferência o FCP tinha o Queens Park Rangers interessado em mim mas eu disse que não ia sair de um clube que lutava para ser campeão, jogava a Liga dos Campeões, para ir para uma equipa que subiu de divisão. Conheci o treinador deles, muito simpático, mas pedi-lhe desculpa e disse que era do FCP, aprendi a amar o FCP e para sair dali não era para uma equipa que está a lutar para não descer. Começou a haver fricção com o Vítor Pereira e com alguns funcionários do clube.
Nomeadamente com o próprio Antero Henriques.
Sim, porque o Antero tinha uma ideia, ele defendia o clube com certeza, e eu tinha outra ideia, porque já me tinham prometido duas vezes que ia ser vendido, tinhas clubes para onde ir e eles não aceitaram e queriam que fosse para o Queens Park. Não gostei. Acabei por ficar e estive 6 meses à espera até que a janela se abrisse outra vez. Foi uma altura complicada para mim.
Deixou de ser capitão.
Como não fui vendido, não fazia parte do grupo, treinava à parte. Nao jogava. Excepto num jogo da Taça, aí o Vitor faz a equipa e mete-me a titular. Não entendi nada, no final do treino fui questioná-lo, com o Paulinho Santos como testemunha. Ele disse "Preciso de ti". Respondi "Não mister, se eu não faço parte do grupo, não posso ir jogar". Ele acabou por pedir desculpa que foi uma mal entendido que o clube lhe tinha que eu ia ser vendido. Eu lembrei-lhe que pedi uma conversa entre as três partes, jogador, treinador e o clube, e o mister não quis, por isso agora não viesse com desculpas com o que o clube disse. Disse-lhe “Se o mister quer que eu jogue e quer convocar-me, eu só quero ter a certeza que vou fazer parte do grupo”.
O que fez ele?
Chamou toda a gente e esteve muito bem porque à frente de todos disse que eu voltaria a fazer parte do grupo, que tinha havido um mal entendido, mas que estava resolvido. Chamou-me para esse jogo e foi nesse jogo que pela primeira vez, com a camisola do FCP, joguei a médio. A partir daí voltou a convocar-me para o jogo como Estoril que era um jogo especial para o presidente (Pinto da Costa) porque era o jogo 1000 dele na Liga Portuguesa. O presidente no final desse jogo disse-me que estava contente por eu fazer parte do jogo. Fiquei tocado até. É o nosso presidente e é especial ouvir as palavras dele. Mas depois desse jogo o mister não contou mais comigo. E, se não conta comigo, ficamos assim, eu faço o meu treino à parte como estava e quando puder arranjo uma solução e vou-me embora.
Deve ter muitas histórias desses anos no FCP. Não quer patilhar uma?
Na altura do FCP, dos Villas Boas, tínhamos as praxes dos aniversários. E o Cristian Sapunaru era um dos mais palhaços deles todos, e no dia do aniversário dele ele sabia que tinha de passar pelo corredor da morte. Chegamos como sempre uma hora antes, estamos à procura dele e não o vemos. E quando vamos para o campo, o tempo estava bom, toda a gente de t-shirt e ele aparece de casaco. Ele passa no tunel da morte a desfilar, tranquilo, nós a bater, a bater e el nada. Quando sai do túnel da morte tira o casaco e estava com os colchões de aquecimento amarrados no corpo para se proteger (risos) e desatou toa a gente a correr atrás deles. No aniversário do Villa Boas, quando o chamamos para ir para o túnel da morte, levamos farinha, água e ovos e demos-lhe um banho (risos).
Como vai parar a Itália, é através do FCP, do seu empresário?
É uma pessoa que tinha bons contactos com o FCP, com o meu empresário e com o Nápoles, mas nem sequer é empresário. Ele sabia que o Nápoles estava à procura de um central, falou comigo, disse que estava de acordo, falou com o FCP e o FCP lá acabou por aceitar e deixaram-me ir. Foi a melhor coisa que aconteceu.
Porquê?
No início tinha receio de abandonar o conforto da minha casa, do país, já me sentia em casa. Foi essa transferência para Nápoles que me mostrou que há momentos em que é bom fazermos coisas diferentes da nossa vida. Esse momento foi ótimo para mim.
A sua mulher e filhos vão para Itália consigo?
Sim. Foi tranquilo. Nápoles é uma cidade especial. É uma cidade difícil, mas especial. Quando cheguei lá disseram-me "Para conheceres Nápoles tens de viver aqui". O presidente do Nápoles disse-me que o interesse deles não era de empréstimo era definitivo mas como Nápoles era uma cidade especial, seria perfeito eu ficar 6 meses e se gostasse ficava, se não gostasse era só empréstimo e podia voltar para casa, não havia risco. Acabei por aceitar. A família gostou, até os meus filhos já estavam a aprender italiano, gostamos todos.
Não fica no Nápoles porquê?
Faltava um mês para o final da temporada e o treinador do Nápoles, mister Mazzarri diz a um dos adjuntos para falar comigo.Diz-me que o mister está a terminar o contrato, que gostava muito de mim e que se não renovasse em princípio ia ter uma proposta de um clube muito bom, historicamente superior ao Nápoles. Perguntou-me se tinha interesse em ir. Disse que sim, mas que tinha de se resolver com o FCP. Terminou a época, lembro-me que jogamos o último jogo em Roma e o presidente do Nápoles vem ter comigo e pergunta o que achei de Nápoles. Disse-lhe que tinha adorado, que sabia que era uma cidade difícil, mas ao mesmo tempo linda, a familia adorou, via-me a jogar em Nápoles muitos anos. Ele "Então considero-te jogador do Nápoles. Eu falo diretamente com o presidente Pinto da Costa e depois acertamos os detalhes contigo". Só que nesse meio termo nunca mais me disseram nada. Entretanto o mister Mazzarri é anunciado no Inter de Milão e no dia em que ele assina o adjunto liga-me, diz que o mister precisava de uma semana para perceber quais os centrais que tinha mas que dali a uma semana falava com o presidente do FCP para acertar tudo. Fiquei à espera. Tinha o Nápoles de um lado que disse que tinha interesse mas não tinha tido ainda nenhuma conversas com eles e na semana seguinte o Mazzarri resolve tudo em 2 dias e vou para o Inter.
Gostou de Milão?
Ainda hoje quando pergunto aos meus filhos qual a cidade onde preferiam viver se tivermos de sair do Porto e a primeira cidade que lhes vem à cabeça é Milão. É uma cidade, onde jogava num clube de topo a nível mundial, mas conseguia ter uma vida. Normalmente quando estás num grande clube os adeptos estão sempre a puxar por ti ou a dar-te na cabeça ou a falar de futebol. Milão como é uma cidade diferente, as pessoas até parece que se esquecem que somos jogadores. Pela primeira vez andei com os meus filhos de metro, de comboio e era tudo natural, ninguém nos dizia nada, eu fazia uma vida de pai de família, por isso eles adoraram. Foi excelente.
E à adaptação ao futebol italiano?
Os primeiros 2 meses, por causa da língua e do sistema que o mister usava, foi muito complicado. Ele dizia a um italiano para me explicar e o italiano como era central dizia-me tudo ao contrário (risos). Mas quando comecei a entender um pouquinho de italiano e o sistema dos 3 defesas, comecei a encaixar na equipa e tornou-se mais fácil. De início era complicado porque era um sistema que, dependendo do adversário, defendemos a 3 ou 4.
Amizades que fez em Itália e que tenham ficado?
No Nápoles tinha o Zúniga que era colombiano, o Cavani do Uruguai, com quem fiquei no quarto na primeira concentração, depois tinha o Inler o suíço que tem uma mulher que era do norte de Portugal, então ele falava um bocadinho de português. Foi neles em quem me apoie mais para entender alguma coisa. Já no Inter tinha 2 brasileiros, o Jonathan e o Juan Jesus que falavam português, depois encontrei lá o Guarín e o Alvaro Pereira que foram jogadores do FCP e aí já foi tudo mais simples.
Como e por que razão se dá a passagem para o Anderlecht?
Eu vou de empréstimo para o Inter e chegando o mês de fevereiro o Inter entra em contacto com o FCP para comprar-me. Entre fevereiro e março estão a discutir valores, o FCP tem tudo praticamente acertado, já tenho pré-contrato feito e, o treinador do FCP é despedido. Contratam o Lopetegui, que diz que conta comigo. O FCP cancela tudo. Depois de 2 anos de empréstimo eu acho que a minha altura no FCP já tinha passado, mas o presidente quer que eu fique, o treinador quer que eu fique, só que chega um momento em que achei que o melhor era voltar para o Inter. Chegamos a acordo e disse ao Lopetegui que preferia voltar para o Inter. Ele diz que sendo assim não contava comigo.
Mas não regressa a Itália.
São mais 6 meses de paragem, aí em vez de ficar parado preferi ficar com a equipa B para manter o ritmo. Chega a janeiro e tinha a opção de ir de novo para o Inter mas o FCP não aceita, diz que a única opção que tinha caso eu quisesse sair era ir emprestado para o Anderlecht. Falei com a família, disse que era preferível ir para lá os 6 meses do que ficar mais 6 meses parado. Fui para o Anderlecht. Para a idade que eu já tinha não era o clube indicado para mim, mas se tivesse 20 anos ia ser perfeito. Adorei porque no futebol já não existe pessoas como as do Anderlecht, são pessoas corretas até demais. Com condições de trabalho espectaculares. Se de início não queria ir depois adorei ter ido porque foi enriquecedor. Foram 6 meses bons.
A família foi consigo?
Não, nessa altura já o Ryan estava a começar a escola e eu sabia que eram só 6 meses, que de vez em quando podia vir cá e ou eles lá com facilidade. Eu e a minha mulher chegamos a conclusão que era preferível ficarem no Porto.
Como surge o Olympique de Marseille (OM)?
Volto para o FCP mas aí já com a certeza de que volto para sair. Nesse meio termo tinha havido vários contactos só que o que me agradava não agradava ao FCP e vice-versa. Depois chega o momento em que o FCP compra o Brahimi, através da Doyen e é através dessas pessoas que sabemos que o OM está interessado em mim e consegue-se desbloquear a situação. Venho embora no último dia de mercado.
Agradava-lhe ir para França?
Sinceramente não tinha a ideia de vir para França, porque quando vim a França fazer testes quando era novo não fui muito bem recebido. Nem mencionei há pouco porque não gosto, mas quando fui fazer testes a Toulouse fui muito maltratado e disse que não vinha mais para França.
Foi mal tratado como?
Estou em Paris, as pessoas dizem que o Toulouse está interessado em ver-me, apanho o TGV e quando lá chego levam-me diretamente para o estádio, para treinar, nem equipamento de treino tinha. Estou a treinar numa equipa de reservas, toda a gente equipada e a mim não me deram nem uma camisola, tive de treinar com uma sweat minha e um short, nem era um calção, era um short meu. Não gostei. No dia seguinte, não disseram a que horas era o treino só que uma carrinha ia apanhar-nos. Eu e um amigo que estava comigo tínhamos de levantar às 7 da manhã e ficar à janela à espreita por uma carrinha que nos ia buscar. Cada um fazia 10, 15 minutos de espera enquanto o outro dormia. Depois tínhamos horários de jantar e um dia vou para um jogo treino da equipa de reservas, o jogo acaba às 8, o nosso jantar era das 7 às 7 e meia. Vou para jantar e dizem que a cantina já está fechada, não posso comer. Era uma zona industrial vou com o meu amigo à procura de um restaurante e não tinha nada, isto depois de um jogo num dia em que tinha almoçado ao meio dia. Só comi no outro dia ao pequeno almoço. Não gostei nada e disse que não voltava para França mas quando surgiu o Marselha, nem me lembrei que era França porque era um clube grande. E tomei a decisão certa, falando agora que já passou um tempo.
Vai na 4ª época no Olympique de Marseille. Gosta da cidade?
Gosto. É uma cidade um pouco parecida com o Porto e Nápoles no sentido em que as pessoas vivem para o futebol. Aqui o único clube grande em Marselha é o OM, o único desporto é o futebol, as pessoas só seguem futebol e às vezes é um pouquinho chato porque é demais, mas a cidade é boa.
A mulher e filhos continuam no Porto?
No primeiro ano acabei por trazê-los, porque tinha optado por metê-los numa escola internacional. Mas no final desse ano as coisas não correram bem no clube, foi um ano complicadíssimo e a minha ideia era ir embora. A ideia do clube era facilitar a minha saída e por isso disse à família que era melhor ir para Portugal à espera que eu fosse vendido. Só que acabou por haver mudanças, acabei por ficar, mas eles sentiram-se melhor no Porto e chegamos à conclusão que era preferível eu ficar em França e eles no Porto, na casa deles, mais tranquilo. Mais fácil para eles, mais difícil para mim. É o preço a pagar.
A sua vida no OM melhora bastante com a entrada do Judi Garcia. É aí que se dá a viragem?
Sim. Quando ele chega estava naquele momento em que era para sair e não saí, então não contava muito para o clube. Ele chegou e traz-me confiança, mete-me a jogar com dois dias de trabalho. A partir daí joguei sempre e confiou sempre em mim.
O ano passado levou o OM à final da Liga Europa.
Tudo perfeito até ao momento da final da Liga Europa. Estive dois meses com uma pequena lesão no tendão de Aquiles, mas eu ia gerindo para aguentar os jogos. No último jogo em casa, estava a terminar o contrato, já tinha a ideia de que poderia ser o meu último jogo. Fui jogá-lo porque os meus filhos tinham pedido para entrar comigo em campo e iam ver o jogo na bancada. Nesse jogo lesiono-me. A partir daí tudo mudou.
Fez uma rotura total do tendão de Aquiles?
Sim. Mas as pessoas do OM que já me tinham feito uma proposta de renovação de um ano, disseram que a proposta mantinha-se igual e que em janeiro eu já devia estar a jogar de novo. Pela confiança que depositaram em mim fiz tudo para voltar o mais rápido possível. Regressei em outubro passado, eles até ficaram espantados. Esforcei-me muito porque o gesto que eles tiveram não é muito normal no futebol hoje em dia. Foi a forma de provar-lhes que estava contente. Agora estou pronto de novo e isso é o mais importante. Estive cinco meses sem competir, eram para ser sete.
Falemos da seleção. Depois do Mundial 2010, ainda faz o Euro 2012, já com Paulo Bento.
Aí foi diferente porque já participei ativamente e já tive uma sensação diferente e já me senti importante no grupo. Depois estive os seis meses parados no FCP e perdi o fio à seleção. Voltei em março de 2014 para jogos amigáveis porque já estava no Inter e aí voltou aquele sonho de voltar para a seleção e fazer mais um mundial. Acreditava que ia, mas o acabou por não me chamar e fiquei um bocadinho triste porque achava que merecia, até pela época que fiz. Mas o mister achou que os outros mereciam mais e há que respeitar. Depois disso acreditava que nunca mais seria chamado. E voltei a ser chamado agora pelo mister Fernando Santos, de novo em março e de novo antes de um mundial. Fica sempre aquela coisinha de que pode ser possível, mas já não tinha aquela convicção de 2014.
Assistiu ao Euro 2016 onde?
Estava em França. Foi perfeito porque estava aqui e depois de passar um mês a ouvir que Portugal não valia nada, não jogava nada, que ganhava por sorte, depois de ver que os franceses já estavam preparados para a festa, já tinham o autocarro preparado, tudo feito, já eram campeões quando ganharam a Alemanha e depois o golo do Éder.... Acho que foi dos golos que mais celebrei na minha vida. Ganhar ainda por cima de um jogador que eles não esperavam e que estava em França a jogar, foi ouro sobre azul. Lembro-me que no dia seguinte cheguei ao balneário com a bandeira de Portugal e gozei com os franceses. Eles queriam matar-me mas valeu a pena.
O seu contrato acaba no final desta época. E depois?
Ainda não decidi nada porque aprendi da pior forma que o futuro é hoje, não é amanhã. O ano passado tinha tudo na minha cabeça, tudo alinhavado para uma certa coisa e no último momento lesionei-me. Por isso prefiro concentrar-me para terminar esta época tranquilo. Se bem que o empresário já vai gerindo algumas situações. Logo se vê no final da temporada o que acontece, nessa altura com calma tomo uma decisão.
O que é que gostava? De voltar a Portugal ou continuar no estrangeiro?
Para Portugal, sinceramente, só se fosse para o FCP ou para o meu belenzinho. Não é faltar ao respeito aos outros clubes, mas tinha de ser para um desses, embora neste momento a minha ideia não é voltar para Portugal. Gostaria de descobrir algo diferente, durante os próximos dois, três anos, antes de terminar a carreira. Um campeonato onde consiga ter um bocadinho de prazer a jogar à bola. Chega um momento em que as coisas ficam demasiadamente sérias e às vezes até perde-se um bocadinho o prazer. Estive quatro meses a trabalhar de manhã, tarde e noite, por causa da lesão e foi complicado. Quero recuperar o prazer, num lugar onde tenha menos pressão em que a preocupação maior fosse só jogar à bola.
Está a pensar no mercado asiático?
Está tudo em aberto. Ásia ou mesmo América, um lugar onde as pessoas ainda tiram o prazer do futebol em si. Como dizia o mister Jesus: "Tens jogadores que jogam futebol, tens jogadores que jogam à bola". E eu queria jogar um bocadinho à bola para me divertir um pouco.
Depois de pendurar as botas, o que vai fazer, já pensou nisso?
Pensar, penso, mas como já disse a vida dá muitas voltas por isso não tenho nada decidido.
Mas o que se vê a fazer?
Terminando a carreira, vejo-me nos primeiros tempos a não fazer rigorosamente nada relacionado com futebol. Devo muito aos meus filhos, à minha mulher, aos meus pais, ao meu avô que fez tudo por mim e aos meus irmãos e tios a quem devo muito. A única forma de lhes pagar é passando tempo com eles. Vou aproveitar a companhia deles, o tempo que tive de perder por força do trabalho. A partir daí, quando começar a sentir falta de novo do futebol, acho que vou estar mais com crianças a tentar passar algumas das coisas que aprendi. Será mais isso do que futebol a sério.
Pensa abrir uma Academia em Cabo Verde, por exemplo?
O que gostaria mesmo era de passar algum tempo com os miúdos. E se bem que fiz grande parte da minha formação em Portugal, como em Cabo Verde os miúdos têm menos condições de chegar ao mais alto nível, gostaria de fazer alguma coisa lá, para terem uma ideia do que é o futebol. Quero tentar dar-lhes a preparação que eu não tive quando era miúdo. São ideias que tenho, mas nada em concreto. Onde o vento me levar eu aceito.
Os seus filhos estão com quantos anos?
Oito e dez anos e a minha enteada com 16 anos. O Ryan joga futebol na escola e gosta, o Rafael nem por isso, só vai jogar às vezes para sujar o equipamento e passar o tempo. Nestas idades têm é que se divertir.
Onde é que ganhou mais dinheiro?
Em Itália.
Onde o investe?
Em Portugal e em imobiliário. Em Cabo Verde tenho umas coisinhas de família, para ajudar a família, e a minha mulher também tem um SPA que é a paixão dela.
Os seus pais estão onde?
Eles viviam em Madrid, mas quando fui para o Porto e já tinha uma condição melhor disse-lhes para voltarem para casa e aproveitarem a reforma. Vivem em Cabo Verde. Mas a minha mãe tem uma doença que a obriga a ir a Espanha de três em três meses mais ou menos. Ela tem 52 anos, mas foi-lhe diagnosticado Parkinson quando tinha tinha 30 e poucos anos. Os médicos até acharam muito estranho.
Tem algum hóbi além do futebol?
Em miúdo colecionava bolas de ténis, canetas e moedas. Ainda tenho uma coleção pequena de canetas, mas já perdi a paixão. Tirando o futebol, gosto muito da NBA. E adoro olhar para o mar.
Tem alguma tatuagem?
Não, não me diz nada. E também tenho medo de agulhas (risos).
Qual foi a maior extravagância que fez?
Foi o casamento (risos). Praticamente fizemos dois casamentos. O civil em Portugal e o religioso em Cabo Verde.
Para terminar, não tem nenhuma história de Itália que possa contar?
Posso contar logo uma que aconteceu no dia da minha chegada. Antes de ir para Nápoles avisaram-me que era uma cidade complicada, por isso eu já ia com um bocadinho de medo. Fui de avião até Roma e em Roma tinha um taxista à minha espera para levar-me a Nápoles. Quase a chegar a Nápoles, na autoestrada, há um carro que passa a abrir, atravessa-se à nossa frente e para. E eu: "Eh pá, ainda não cheguei a Nápoles e já vou ser assaltado?". Descem duas pessoas do carro, vêm em direção a mim que ia no lugar do pendura, eu cheio de medo. Eles chegam ao pé de mim, dão-me dois beijinhos, um abraço, um cachecol e dizem: "Estamos contigo. Somos napolitanos até à morte. És dos nossos a partir de agora". Fiquei de boca aberta. Em plena autoestrada.
FONTE: TribunaExpresso