E era uma vez os três portugueses e o mais louco torneio dos EUA

Todos anos, por esta altura, é a mesma coisa: os norte-americanos param para ver o March Madness, a alcunha do torneio final que define o campeão nacional do basquetebol universitário. E pela primeira vez há três portugueses nesta competição que junta 68 equipas que jogam em regime de eliminação direta durante três semanas e que movimenta qualquer coisa como 7,5 mil milhões de euros em apostas. Eles são Francisco Amiel, Diogo Brito e Neemias Queta, o poste que poderá muito bem ser o primeiro português a jogar na NBA

É assim todos os marços nos Estados Unidos. A produtividade desce a pique, em proporção inversa ao dinheiro gasto em apostas. Há quem se cole duas semanas non stop em frente à televisão e até a produção de cerveja e de asas de frango tem de aumentar.

Tudo por culpa do March Madness, o torneio mais louco do desporto norte-americano, apesar de nem sequer estarmos a falar de uma competição profissional. March Madness é a carinhosa alcunha que foi dada ao torneio final do basquetebol universitário dos Estados Unidos, na medida em que estamos a falar de 68 equipas, as melhores do país, a enfrentarem-se num sistema de eliminação direta até à final, que define o campeão universitário de cada temporada. Os primeiros jogos da loucura de março de 2019 arrancaram esta madrugada em Dayton, no estado do Ohio, com a fase preliminar, e a grande final está marcada para dia 8 de abril, no U.S. Bank Stadium, em Minneapolis, um estádio cuja capacidade pode chegar até aos 73 mil espectadores - e a cidade espera dividendos de 125 milhões de euros por organizar a Final Four do torneio.

Por cá, quase sempre falamos do March Madness por causa dos números. Em 2017, por exemplo, 70 milhões de brackets foram preenchidos - o bracket é a chave do torneio onde é possível apostar nos 63 jogos. E todos os anos milhões e milhões continuam a tentar a sua sorte e a chamar o seu inner-Zandinga, apesar da probabilidade de acertar nos 63 resultados ser de 1 para 9.223.372.036.854.775.808 (a de acertar o Euromilhões é de 1 para 116.531.800).

Este ano estima-se que o March Madness vá conseguir audiências na casa dos 100 milhões. A American Gaming Association projeta que 47 milhões de norte-americanos, ou seja 1 em cada 5, vão fazer qualquer tipo de aposta (legal ou ilegal) no torneio e que o volume total de apostas pode chegar aos 8,5 mil milhões de dólares (qualquer coisa como 7,5 mil milhões de euros).

Há também os 18,4 mil milhões de euros que a estação televisiva CBS pagou em 2011 à NCAA, a associação que regula o desporto universitário norte-americano, para transmitir o March Madness até 2032. Só este ano a NCAA vai arrecadar quase 800 milhões de euros em publicidade televisiva, venda de bilhetes e patrocinadores.

Já os jogadores, os grande animadores deste circo que gera milhões, recebem, como sempre, e devido às regras da NCAA, nicles, zero.

Mas este ano há mais razões para os portugueses serem apanhados pela febre de março. Para já porque é uma oportunidade de ver jogar aquele que muitos dizem ser o próximo LeBron James: Zion Williamson, basquetebolista da Universidade de Duke que combina um físico impressionante de 2 metros de altura e 130 quilos com grande destreza técnica.

Contudo, a razão principal não é essa. É que 2019 é uma edição especial para nós: pela primeira vez na história há três portugueses a disputar o torneio. O primeiro a qualificar-se foi Francisco Amiel, base lisboeta de 23 anos, depois da Universidade de Colgate se ter sagrado campeã da conferência Patriot League. Seguiu-se a dupla da Universidade de Utah State, campeã da conferência Mountain West: Diogo Brito, base de 21 anos e Neemias Queta, poste de 19 anos natural do Barreiro, que após uma primeira época de grande nível no basquetebol universitário norte-americano, é visto como um jogador com potencial para chegar à NBA. Se tal acontecer será histórico, já que nunca um basquetebolista português conseguiu jogar na principal liga de basquetebol do planeta.

As hipóteses portuguesas e o gigante do Barreiro
Nunca uma edição do March Madness teve tantos portugueses, mas Francisco Amiel, Diogo Brito e Neemias Queta não serão os primeiros a jogar o louco torneio que faz parar a América. João Paulo Coelho, atleta forjado na Figueira da Foz, participou três vezes no March Madness entre 1998 e 2002, como parte da equipa da Universidade de Miami. Rúben Silva fazia parte da equipa da Universidade de South Dakota State que em 2013 chegou ao torneio final, mas não podia jogar na altura.

O March Madness já arrancou, mas será preciso esperar até sexta-feira para ver os portugueses em ação. Amiel, capitão dos Colgate Raiders, será, no papel, aquele que terá menos hipóteses de ultrapassar a 1.ª ronda. Os Raiders são os 15.º cabeças-de-série na sua divisão e do outro lado estará a Universidade do Tennessee, que é a 2.ª favorita. Mas nisto do March Madness não faltam aquilo que os norte-americanos gostam de chamar de cinderella stories, que é como quem diz, os jogos em que os pequenos que surpreendem os poderosos. Em 2018, por exemplo, os UMBC Retrievers, 16.º e últimos cabeças-de-série da sua divisão, bateram a Universidade de Virginia, 1.ª pré-designada, algo que nunca tinha acontecido na história.

Mais equilibrado parece o embate entre os Utah State Aggies de Brito e Queta, que serão 8.º cabeças-de-série no Midwest, e os Washington Huskies, equipa que é 9.ª pré-designada na divisão. Apesar dos números, boa parte dos especialistas na análise dos brackets do March Madness dão o favoritismo no confronto aos Huskies.

O encontro de sexta-feira será de particular importância para Neemias Queta, que antes de partir para a aventura no estado do Utah, fez a formação no Barreirense e Benfica. Com todos os olhos de treinadores, jogadores e recrutadores da NBA virados para a loucura de março, está aqui uma belíssima oportunidade para o poste de 2,11m e 102 quilos se mostrar. Apesar de Utah State não estar numa das conferências mais poderosas do basquetebol universitário e de não colocar um jogador na NBA desde 2003, as exibições de Queta têm criado algum burburinho na imprensa especializada, que vê no português potencial para ser eleito num dos próximos drafts da NBA (ou até já neste próximo), porque gigantes com mobilidade, com qualidade a defender e capacidade para trabalhar o ataque, não é coisa que apareça aos magotes nas universidades norte-americanas.

Para já, em 34 jogos nos Aggies, Queta tem uma média de 26.9 minutos, 11.9 pontos, 8.9 ressaltos e 1.7 assistências e esta temporada já foi considerado o freshman (ou seja, jogador de 1.º ano) do ano na sua conferência, bem como o melhor jogador defensivo da época.


FONTE: TribunaExpresso