Naquilo que foi o jogo, não houve nada daquilo que estava planeado

Não sei se já repararam na nova muleta linguística do futebol português. Chamemos-lhe naquilismo - ou, noutra variação, daquilismo – e é uma moda que viralizou ao ponto de servir para tudo, mesmo tudo na descrição de um jogo de futebol. É assim: “naquilo que é a pressão ofensiva”, “naquilo que é a dimensão física”, “daquilo que o jogo transmite”, “dentro daquilo que são as ideias do treinador”, etcetera.

Naquilo ou daquilo são contrações de uma proposição com um pronome, espécies de atalho gramatical para arrepiar caminho; nestes casos só atrapalham o que é simples. Alguns destes naquilos e daquilos terão entrado na comunicação de Bruno Lage, porque o que se viu do Benfica esta quinta-feira, em Zagreb, foram trapalhadas sucessivas. Passes. Cruzamentos. Perdas de bola. Ideias.

Tudo trocado e tudo diferente do que se vira, por exemplo recente, no FC Porto.

Não é que o Benfica tenha entrado mal, mas é que tenha estado realmente mal a partir do momento em que Grimaldo chutou contra o pé do guarda-redes Livakovic. Essa foi uma boa ocasião, logo ao minuto sete, e acabou por ser a única ocasião do Benfica até final da primeira-parte. Na verdade, acabou por ser a melhor ocasião daí até ao fim do jogo, o que é verdadeiramente surpreendente tendo em conta o histórico recente – e dentro daquilo que é real valor do adversário.

O Dinamo Zagreb surgiu fechado, com praticamente 10 jogadores atrás do seu meio-campo; uma equipa bem organizada, sim senhor, com um talento escorregadio e felino chamado Dani Olmo, que se esgueira por entre buracos e dispara oportunamente. Ainda assim, o clube croata pareceu bastante acessível à melhor versão dos encarnados. Que tem Pizzi e Seferovic, e tem tido também Samaris, e dois deles não estiveram em Zagreb e o outro saiu lesionado aos 31’.

Na aterragem de um salto, o suíço agarrou-se ao corpo, fez sinal de que algum músculo rompera, e saiu para entrar Cervi. E o Benfica passou a jogar pior, sem aquele ponteiro móvel e com Krovinovic e João Félix num ataque híbrido a dois. Provavelmente, isto nos ponha a pensar na fragilidade de uma ideia e de um estado de espírito que pode mudar a cada golpe muscular. Sinteticamente, naquilo que era este sistema, a equipa não funcionou. Tanto o croata como o português se estranharam e não tiveram o apoio de Gedson, útil para acelerar com espaço, talvez ineficaz para repensar estratégias quando o adversário lhe apresenta quebra-cabeças para resolver sob a forma de duas linhas coladas uma na outra.

Por isso, sem imaginação, potência, profundidade – e alguma apatia de Florentino na recuperação –, o Benfica expôs-se aos contra-ataques do Dínamo de Orsic, Olmo e Kadzior. Depois, num lance infantil de Rúben Dias sobre Olmo, naquilo que é a sua função, resultou um penálti que foi rematado por Petkovic para o meio da baliza de Odysseas. Aos 38’, o Dínamo fez o golo; e aos 45’ Amer Gojak não fez o 2-0 por pouco. Ainda que ninguém soubesse na altura, o resultado estava feito.

Na segunda-parte, esperava-se a reação do Benfica, porque sim, porque era possível, porque a posse de bola de sessenta e muitos por cento indicava um domínio territorial que tinha de valer alguma coisa, naquilo que é a estatística do jogo.

Só que o tempo andou e, passe a rima popularucha, nada mudou, nem mesmo quando Bruno Lage retirou Florentino e pôs Rafa Silva para criar um 4x2x3x1 estranho, com Félix a falso ponta de lança, Rafa e Cervi nas alas, e o Krovinovic no meio, à frente de Gabriel e de Gedson. Pela segunda vez, não resultou, sobretudo porque Krovinovic nunca se entendeu com João Félix, como se um comunicasse em AM e o outro em FM. Depois, saiu Gedson para entrar Zivkovic, e pela terceira vez o Benfica ficou na mesma, para desespero de Lage que esbracejava e soltava o bom vernáculo português na linha. Mais tarde, Lage diria que “não foi um jogo bem conseguido” e que o Benfica “não tinha conseguido criar perigo”, ao contrário do Dínamo que, dentro daquilo que são as suas limitações, ainda assustou por Situm mesmo a acabar o encontro.

Ora, respostas para isto? Pode ter sido do cansaço físico ou mental, pode ter sido da viagem, ou pode ter sido simplesmente o facto de o Benfica não ter conseguido desmontar o bloco croata em pedacinhos para os atacar isoladamente. Ou então, se preferirem, naquilo que é a essência do jogo, o Benfica esteve longe daquilo que é a sua matriz.


FONTE: TribunaExpresso