Branco: «O Artur Jorge apanhou-me a imitá-lo e foi o fim do mundo»
DESTINO: 80's é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 80's.
BRANCO: FC Porto (1988/89 a 1990/91)
Cláudio Ibrahim Vaz Leal. Então, já ouviram falar? Nunca? E se dissermos Branco? Pois, alto e pára o baile. Muito respeito por este senhor. Vejam lá o curriculum vitae do craque:
Presença em três Campeonatos do Mundo (1986, 1990 e 1994), participação em três Copas América (1987, 1989 e 1991), 72 jogos e 9 golos ao serviço do Brasil, campeão nacional em Portugal e vencedor de uma Supertaça, eleito pelos adeptos para o melhor onze de sempre do FC Porto e com direito a uma estátua no museu do Dragão.
Senhoras e senhores, ele é provavelmente o melhor lateral esquerdo de sempre a jogar no nosso futebol. Será?
«Não sei, não. Acho que devia ter ficado mais tempo no FC Porto. Se não tivesse saído para o Génova no meu terceiro ano, acredito que sim. Podia ter sido o melhor de sempre.»
Branco, porquê Branco? Fácil. Foi há 30 anos e uns meses que o esquerdino se estreou com a camisola azul e branca. Em Guimarães. Bate tudo certo, depois do 0-0 dos dragões na Cidade-Berço.
O Maisfutebol apanha Branco no Chile. Aos 54 anos, o antigo defesa é o coordenador de todas as seleções jovens do futebol brasileiro e acompanha o Campeonato Sul-Americano de Sub20.
«Continuo a amar o futebol e há dois meses aceitei voltar à CBF. Sou o Branco de sempre, brincalhão, descontraído, mas muito profissional. E com umas arrobas a mais no peso.»
BRANCO NO CAMPEONATO NACIONAL:
. 1988/1989: 29 jogos/3 golos (2º lugar)
. 1989/1990: 27 jogos/4 golos (1º lugar)
. 1990/1991: 7 jogos/2 golos * (2º lugar)
TOTAL: 63 jogos/9 golos
* sai em outubro para o Génova
TROFÉUS: um Campeonato Nacional e uma Supertaça Cândido Oliveira
Maisfutebol – O FC porto jogou no domingo em Guimarães. Curiosamente, há 30 anos [11 de setembro de 1988], o Branco estreou-se pelo FC Porto nesse jogo. Ainda se lembra?
Branco – Nunca nos esquecemos da primeira vez (risos). Que responsabilidade danada! O treinador era o Quinito e eu joguei no lugar de uma figura histórica do Porto, o Inácio. Mas tive muita sorte. Sabe porquê?
MF – Não senhor. Diga lá.
B – Nesse jogo também se estreava o menino Vitor Baía. E todos os olhos estavam em cima dele. Eu acho que poucos se lembram que eu também fiz aí o meu primeiro jogo. O Mlynarczyk teve um problema no ombro e o falecido Zé Beto estava suspenso pelo clube, se bem me lembro. O jogo correu-me bem, sem muitos problemas. Mas só conseguimos empatar.
MF – O Branco chega em 1988, pouco tempo depois de o FC Porto ser campeão da Europa e do Mundo.
B – Certíssimo. Saí do Brescia, de Itália. Eles foram-me buscar ao Fluminense e prometeram que iam construir uma equipa para lutar pelo título. Tudo mentira. Encontrei um clube pequeno, com um uma equipa ruim. Eu tinha estado no Mundial de 1986 e senti que a minha carreira estava a estagnar. Felizmente, em 1988 apareceu-me o convite do FC Porto, feito pessoalmente pelo presidente Pinto da Costa e o empresário Luciano D’Onófrio. Aceitei, claro, e recuperei o meu lugar na seleção do Brasil.
MF – Não foi fácil arranjar lugar numa equipa tão forte.
B – Eu cheguei sem confiança nenhuma no meu futebol. Era difícil chegar e jogar. Ainda por cima nos treinos via aquela qualidade toda… o Madjer, meu deus, que craque! Foi um dos melhores jogadores que conheci em toda a vida. Felizmente tive aquela oportunidade em Guimarães e arranquei aí para dois anos espetaculares.
MF – Que atmosfera encontrou no balneário?
B – Ui, o grupo era muito coeso, fortíssimo. Não era fácil conquistar o respeito daquela malta: João Pinto, Celso, Lima Pereira, Frasco, André, Jaime Magalhães… eles eram apaixonados pelo FC Porto. Se sentiam que algum jogador não estava com a cabeça no lugar, se achavam que alguém desrespeitava o trabalho e o clube, bem, esse jogador estava riscado. Eu tive sorte e com o meu futebol tranquilo acho que consegui conquistar essa malta toda.
MF – Trabalhou com o Quinito e o Artur Jorge. Eram tão diferentes como dizem?
B – Completamente. O Quinito era um homem inteligente, olhava o futebol de uma forma leve, bem humorada. O Artur era o oposto, organizado e duro. Mas ele adorava-me! Uns anos depois até me tentou contratar para o PSG.
MF – É verdade que o Branco era o único a conseguir fazer sorrir o Artur Jorge?
B – Quem disse isso? O Domingos? É verdade, sim senhor. Toda a gente tinha medo de falar com o Artur Jorge, era impressionante. Ele tinha uma salinha, onde preparava os treinos com os adjuntos, e ficava lá muito tempo. Eu sabia disso e um dia fechei a porta do nosso balneário e comecei a dar a palestra aos meus colegas. A imitar a voz do Artur (risos). De repente a porta abre-se e só ouço o Artur aos berros. «O que estás aí a fazer, c…..?» Bem, foi o fim do mundo e pensei que ele me ia tirar da equipa, mas no jogo seguinte lá estava eu. O Artur sabia que dentro do relvado não havia ninguém mais sério. Eu dava sempre o máximo.
MF – O Artur Jorge não deve ter gostado da sua saída para o Génova.
B – Ele queria bloquear a transferência, ficou chateado. Mas na altura achámos que era o melhor. A oferta financeira era irrecusável para o FC Porto e para mim. O presidente Pinto da Costa ainda contratou à pressa o Baltazar, um atacante do Atlético Madrid, para tentar acalmar o Artur. Ficámos bons amigos, até hoje. Nunca me esqueci da nossa despedida. Fui ter com ele à salinha nas Antas, ofereci uma camisola da seleção do Brasil, o Artur Jorge abraçou-me e vi-o a chorar. Um homem duro, mas bom.
MF – O Branco era famoso pelos seus livres diretos. Consegue escolher o melhor golo com a camisola do FC Porto?
B – Escolho dois, pode ser? Um ao Sp. Farense, em que saí a driblar e acertei um remate ao ângulo; e outro ao Sporting, ao Ivkovic. Nem eu acreditei que esse remate, a quase 50 metros, podia entrar. Foram momentos assim que me permitiram ter hoje uma estátua no museu do FC Porto.
VÍDEO: o golaço de Branco ao Sporting (1m45s)
MF – Não é fácil encontrar uma dupla como a vossa: Branco/Geraldão. Afinal, quem batia melhor os livres?
B – Eh, eh, eh. Eu vou dizer que era eu e o Geraldão vai dizer que era ele. Na verdade, nós tínhamos zonas definidas. Eu batia melhor em algumas zonas e ele noutras.
MF – Qual era o segredo para bater tão forte na bola?
B – Segredo nenhum, zero. Aquilo era um dom, um dom que depois era trabalhado até à exaustão. Você faz ideia de quanto tempo eu ficava com o Geraldão no fim dos treinos a metralhar o Baía, o Zé Beto e o Mly? Uma hora no mínimo. A dada altura, o pé já bate na bola por instinto. Nós fazíamos apostas para almoços e jantares. Grande Geraldão, grande amigo.
MF – Por falar em almoços. Os almoços desses plantéis eram famosos.
B – E com razão. Aquele arroz de cabidela, em Mindelo… por isso é que eu agora sou gordo. Era à mesa que nós ficávamos ainda mais amigos. Não posso revelar mais, mas posso dizer que muitos problemas sérios foram resolvidos nesses almoços. Entre os atletas, sem técnicos e dirigentes presentes.
MF – Era também por isso que o FC Porto ganhava mais do que Benfica e Sporting?
B – Eu apanhei um Benfica fortíssimo, atenção. Com Ricardo Gomes, Mozer, Vítor Paneira, Magnussos, Jonas Thern e o Valdo. As coisas eram muito equilibradas, muito divididas, a rivalidade era uma doença. E eu fui injetado com essa rivalidade. Tomou conta de mim. Aqueles clássicos contra Benfica e Sporting eram uma guerra. Eram jogos realmente maravilhosos. Não só contra o Benfica e Sporting, mas também contra o Boavista. Davam-me grande prazer.
MF – Tem visto os jogos do Porto? Há alguns brasileiros em destaque.
B – Vejo alguns jogos aqui no Brasil. O Felipe é um central poderoso e está a dar seguimento ao que fez no Corinthians. Tem nível de seleção. E o Éder Militão é um atleta física e tecnicamente abençoado. Já veio à seleção e vai voltar. Também gosto muito do Alex Telles, que joga na minha posição. Muito bom a atacar, muito técnico. Bate muito bem as bolas paradas.
MF – Por falar em seleção do Brasil. O Branco voltou recentemente à CBF.
B – Há cerca de dois meses. O convite era irrecusável, ainda por cima este ano sou um dos embaixadores da Copa América. O meu desafio é grande. Tenho a responsabilidade de coordenar e organizar todos os escalões jovens e passar a informação ao selecionador principal, o Tite. Estou a devolver à nossa federação tudo aquilo que ela me deu.
MF – A conversa já vai longa, mas é impossível não falar do golo à Holanda no Mundial de 1994.
B – Estava a ver que não fazia essa pergunta (risos). Estávamos empatados, o jogo estava aberto e faltavam uns dez minutos. Eu sempre fui um lateral ofensivo e nesse lance fui ao ataque. Sofri falta do Winter, a uns 25 metros da baliza. Eu batia bem os livres, estava confiante e peguei bem na bola. Pum, a bola contornou a barreira e passou pelo meio do Romário e do Valckx! Eu disse aos jornalistas que tinha sido o golo ‘cala-boca’ porque eles criticaram a minha chamada. Estava com 30 anos, tinha um problema físico, mas fui muito importante. Nada se compara à conquista de um Mundial, nada!
MF – E a alcunha Branco, como surgiu?
B – Eu nasci e comecei a jogar futebol na região de Magé. Não é longe do Rio de Janeiro. Por coincidência, no meu grupo de amigos eu era o único branquinho (risos). Todos os meus amigos eram negros. Por isso, todos me começaram a tratar assim. Branco.
MF – Última questão: a água que bebeu no jogo contra a Argentina, nos oitavos-de-final de 1990, estava mesmo envenenada?
B – Eu pensei que morria. Aquilo era mais do que veneno! Vou contar uma história. Uns anos mais tarde eu cruzei-me com o Maradona e ele veio abraçar-se a mim, a rir: «Branquinho, desculpa Branquinho, desculpa, não gostou da água?»
FONTE: MaisFutebol