O mais velho dos Marafona cruzou-se com Ederson nas balizas

«Domingo à Tarde» é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.

«É uma história caricata. O Carlos tinha a paixão pelo futebol, mas não queria ser guarda-redes. Ele iniciou nos infantis do Rio Ave e, na falta de guarda-redes, o treinador insistiu com ele: “Vai para a baliza, tu tens as qualidades do teu irmão e a gente precisa de ti”. E começou assim a aventura dele na baliza.»

Duas décadas de carreira, 19 clubes e um irmão na elite do futebol português. A história da família Marafona com a baliza tem Carlos, guardião do Sp. Braga, como maior referência. Mas António como a primeira. Aos 38 anos, o mais velho dos Marafona defende a baliza do Cerveira, clube dos campeonatos distritais de Viana do Castelo.

Do Minho a Trás-os-Montes, passando pelas ilhas, António Marafona tem uma carreira quase sempre de mala feita. Uma temporada, um clube. Quase assim. Começou no Rio Ave aos sete anos, cumpriu formação e subiu a sénior em 1998. Após duas épocas, foi quase sempre a saltitar, das ligas não profissionais às distritais. «É difícil falar de estabilidade nestas divisões», admite.

Rio Ave, Macedo de Cavaleiros, Torres Novas, Aliados Lordelo, Fornos de Algodres, Vilaverdense, Portosantense, Nogueirense FC, Pontassolense, Ribeirão, Melgacense, Ac. Viseu, Joane, São Martinho, Neves, Pevidém, Tirsense, Ninense e Cerveira: os clubes da carreira de Marafona.

Esta época, o Cerveira. Chegou lá pelo treinador, conterrâneo, de Vila do Conde. «Foi mais via amizade do que outra coisa. O dinheiro não é muito, são compensações, não há ordenados», nota quem, além do futebol, recebe há vários meses um subsídio de desemprego e procura um complemento à paixão, que já não dá total sustento. «Sei que preciso de outra coisa para completar o meu dia», sublinha.

Para lá disso, Marafona procura ajudar o atual vice-líder da 1.ª Divisão da AF Viana a lutar por uma possível promoção aos nacionais e pela taça distrital. «Este ano estou a gostar bastante. Temos um grupo bonito e as coisas estão a correr bem», conta.

Os erros de carreira como exemplo para o irmão

Marafona começou o percurso principal no Rio Ave, mas nem tudo correu bem no início. Foi aí o primeiro de dois grandes erros de carreira que admite. Os que, defende, podiam ter resultado numa «carreira muito mais bonita».

«Nos meus anos como sénior no Rio Ave, ganhei um rótulo que não condizia com um jogador profissional de futebol. A partir daí as pessoas começaram a desacreditar. Claro que me arrependo. Com 17 anos, já ganhava dinheiro no Rio Ave. Jogador de primeira… não soube manter os pés no chão», assume.

Mais tarde, em 2007, teve oportunidade para voltar ao Rio Ave. Não aconteceu. «Nessa altura jogava na Madeira, no Portosantense. Foi mais um dos erros que cometi. Tinha estabilizado a nível de maturidade, mas dei mais valor ao dinheiro do que regressar ao meu clube», revela.

Depois disso, de ideias mais assentes, seguiu o percurso até aos dias de hoje. E com conselhos de vida ao irmão mais novo.

«Sempre lhe transmiti o exemplo: se queria seguir o mundo do futebol, se queria ser profissional, tinha um exemplo em casa a não seguir. Dava-lhe os bons conselhos. “Espera pela tua vez, tem calma, não queiras dar um passo maior que a perna”». Resultou a olhos vistos: Marafona já ganhou uma Taça de Portugal e é internacional pela seleção. «É o meu maior orgulho, o meu irmão é o meu maior orgulho», insiste António.

Ederson no caminho

Na época 2011/2012, Marafona chegou ao Ribeirão e teve como colega de equipa… Ederson Moraes, atual guardião do Manchester City, então com 18 anos. Partilharam balneário e histórias de crescimento. Quem jogava mais?

«Jogou mais ele [Ederson]. Já dava nas vistas e o projeto do Ribeirão era lançar jovens. Fui convidado para ir para o Ribeirão, precisavam de alguém experiente caso o Ederson não desse as garantias através da sua idade. Mas o Ederson acabou por corresponder às expetativas», assume Marafona, recordando o ex-Benfica.

«O Ederson era um excelente miúdo e também o ajudei a ir para o Rio Ave. As pessoas falaram comigo e disse logo: de olhos fechados, podem levá-lo», refere, quem também deixou palavra ao guardião de elite. «O essencial acho que eram os conselhos que eu lhe dava, um pouco mais experiente. Pequenos retoques: “assim, tens muito mais facilidade.” Basicamente, era isso», lembra.

O sonho e a sucessão de guarda-redes na família

Perto da casa dos quarenta, Marafona não põe travão à carreira de guarda-redes. Refere que vai «época a época», agora com olho mais atento no futuro, que ambiciona ser no futebol. Quer concluir formações iniciadas em treino de guarda-redes.

«Vou tentar seguir por essa via. Talvez seja possível entrar numa equipa técnica. O meu irmão pode ser uma ajuda para eu seguir no mundo do futebol», admite.

Do jogo jogado ao ensino na mira, Marafona também cuida de quem, na família, vai dando os primeiros passos. O filho, Rafael, é guarda-redes nos sub-11 do Varzim. O sobrinho Diego, que é filho de Carlos, joga, tal como o pai, no Sp. Braga: faz as primeiras defesas nas escolinhas dos minhotos.

Entre ensinamentos, ambições e carreiras distintas, os Marafona têm presente e futuro nas balizas. Para que a rede não abane muitas vezes. «Parece que vai continuar», atira António Marafona.


FONTE: MaisFutebol