Nasceu uma estrela ousada, alegre e com pinta. É Vinícius
Joia de 45 milhões de euros cresceu numa das regiões mais pobres e violentas do Rio de Janeiro. Formado no Flamengo, clube que o revelou para o mundo, Vinícius Júnior não demorou a tornar-se um ídolo no Brasil ao encantar com dribles, jogadas habilidosas e muita velocidade, explica à Tribuna Expresso quem o viu crescer e prevê o mesmo sucesso em Espanha.
Nasce uma estrela. Vinícius José Paixão de Oliveira Júnior, ou simplesmente Vinícius Júnior, fez capa dos principais jornais desportivos de Espanha nesta quinta-feira depois de uma atuação impecável pelo Real Madrid. Um golaço e uma assistência na vitória por 3-0 sobre o Leganes, no primeiro jogo dos oitavos da Taça do Rei para pôr o estádio todo de pé. Será ele o "Messias" para acabar à má fase dos merengues?
"O Madrid de Vinícius"; "Um novo rei"; "A ilusão chama-se Vinícius" foram algumas das manchetes. Formado nas categorias de base do Flamengo, o jogador de 18 anos jogou apenas dois jogos como titular no Santiago Bernabéu, mas já caiu nas graças dos adeptos do Real. E este é só o começo.
"Eu sigo calado, trabalhando e evoluindo sempre. Estou muito feliz pelo golo e por ter ajudado a minha equipa. Glória a Deus por tudo", publicou Vinícius nas redes sociais.
Tamanho impacto para um jovem desta idade ocorreu pela última vez com Raúl, ídolo merengue. Na falta de Cristiano Ronaldo, há agora para o atirador brasileiro um espaço em branco para o papel de protagonista, se tudo continuar a correr bem.
Assim como em Espanha, Vinicius teve um início marcante no Flamengo, clube pelo qual foi criado e revelado. Em pouco tempo, ele mexeu com o sentimento da chamada "Nação" e tornou-se ídolo no clube brasileiro.
A jornalista Amanda Kestelman, da Rede Globo, acompanhou de perto a trajetória do jogador no Rubro-Negro, da apresentação ao adeus, e pôde perceber desde a primeira vez que o viu a técnica refinada e o espírito aguerrido que o fizeram ser tratado como uma pedra preciosa. "Estive no primeiro jogo do Vinicius entre os profissionais, em maio de 2017, contra o Atlético-MG. Ele entrou já no fim do jogo, tinha 16 anos, e mesmo sem nunca ter jogado com o 'time' principal, já teve o nome gritado pela torcida em um Maracanã lotado", conta à Tribuna Expresso.
"Muito novo, ele apresentou-se para o jogo, tentou jogadas pelos cantos, mas estava visivelmente nervoso e ansioso com aquele momento. Demorou um pouco para ele se soltar, mas logo nas primeiras partidas ele mostrou suas principais características, drible, ofensividade, jogadas de velocidade e linha de fundo. Tem uma técnica rara e não por acaso foi tratado como joia desde muito cedo no Flamengo", acrescenta Amanda Kestelman.
Com ousadia e alegria, mostrou o seu talento, virou profissional aos 17 anos, encheu o Maracanã, selou a paz entre as claques em constante pé de guerra e emocionou na sua despedida. Uma história de cinema num único ano no elenco principal. Neste período, vale destacar um jogo que ficará gravado nos corações e mentes dos flamenguistas.
"Talvez um divisor de águas para o Vinícius tenha sido na Libertadores do ano passado, quando o Flamengo perdia um jogo para o Emelec, no Equador. Ele entrou no segundo tempo e mudou a história do jogo. Aos 17 anos, não teve medo e partiu para jogadas individuais e marcou dois golos 'na virada'. Olhar aquele jogo é entender muito das características do Vinícius", completou Kestelman.
Para a jornalista da Rede Globo, o momento atual do Real Madrid talvez não seja o melhor ambiente para que o avançado mostre o seu potencial. Contudo, Amanda Kestelman acredita que quando a equipa estiver numa boa fase como conjunto, ele poderá destacar-se de forma ainda mais efectiva. "A adaptação ao futebol europeu não é simples. Mas Vinícius tem preparo mental suficiente e está a preparar-se para esse momento desde muito novo. Acredito que esses meses já deram maturidade para ele, que nitidamente não sente mais a pressão de jogar no Bernabéu."
Dias de luta, dias de glória
Vinícius nasceu no município de São Gonçalo, um dos lugares mais violentos do Rio de Janeiro, que viu um aumento exponencial da violência e do crime organizado após a pacificação de favelas e a fuga de traficantes para esta região. Se não fosse o futebol, o seu destino poderia ser o de muitos jovens das áreas marginalizadas do país: as drogas e o crime.
O jogador viveu até aos 15 anos no bairro Portão Rosa e dividia uma casa de apenas quatro quartos com os avós, os pais e os dois irmãos. Ali ao pé, no Salgueiro, que integra o complexo de favelas dominado pelo Comando Vermelho, uma das principais fações criminosas do Brasil, jogava à bola com amigos. Gostava de brincar na estreita rua de terra batida ao lado de casa, mas desde cedo tinha muitos compromissos e já era apontado como craque pelos belos lances individuais de muita técnica e habilidade.
Era um rapaz calmo e, assim como outros jovens de sua idade, tinha como passatempo jogos de futebol de videojogos. Tinha Lionel Messi como um de seus jogadores prediletos nos jogos. No passado, o grande ídolo nos relvados era Robinho, mas, com o tempo, o lugar foi ocupado por Neymar.
O avançado viveu uma infância pobre, perdeu o avô numa enchente, mas encontrou no futebol um meio para transformar a sua realidade. Aos seis anos, despertou a atenção de olheiros e foi escolhido para treinar numa das 125 escolinhas filiais do Flamengo, no bairro do Mutuá, perto da sua casa. Quatro anos mais tarde, participou em captações do clube rubro-negro carioca e passou no teste.
O "menino prodígio" não deixou os estudos e passou a encarar uma jornada de 150 quilómetros diários para ir de São Gonçalo até o Ninho do Urubu, o centro de treinos do Flamengo, no bairro de Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio, bastante afastado da Região Metropolitana onde vivia. Era uma longa viagem. Mais tarde, Vinícius passou a morar com os tios em Piedade, para ficar mais próximo do clube.
"Falar do Vinícius é difícil. Pegamos ele com 10 anos de idade, é um atleta que chegou ao clube, foi formado aqui no Flamengo e temos um carinho enorme. Desde os 10 anos, já percebíamos um potencial enorme. E, por isso, foi trabalhado para se tornar esse belo jogador. Só temos que agradecer a ele por esses momentos. É gratificante demais trabalhar para um menino de 10 anos se tornar o que se tornou. Sempre foi humilde no trato com as pessoas e ficamos felizes em ver como tudo acabou. Eu só posso agradecer", afirmou o diretor de futebol do Rubro-Negro, Carlos Noval, na despedida de Vinícius.
Ídolo da Nação Rubro-Negra
Assim como a sua velocidade nos relvados, tudo aconteceu rápido na sua trajetória no desporto. Foi sempre considerado um "tesouro" no Flamengo e desde os 11 anos quer era observado por clubes espanhóis. Ganhou adeptos ainda pelas categorias de base e não dececionou e nem sentiu o peso da camisa da equipa de maior 'torcida' no Brasil: são 32,5 milhões de adeptos, segundo as pesquisas recentes, à frente do Corinthians, com 27,3.
"Consegui realizar os meus sonhos dentro do Flamengo. Fiquei muito feliz com a 'torcida' gritando meu nome. Eu fugia de casa com meu pai para ver o Flamengo jogar. Estar saindo do maior clube do mundo não tem explicação. Eu saio honrado, feliz e muito agradecido com cada técnico que me ajudou no Flamengo. E tenho certeza que todos vão continuar a apoiar-me", disse o jogador na conferência de imprensa que marcou o seu adeus ao Brasil, em junho de 2018.
Mas foi em 2017 que mais se destacou: campeão sul-americano sub-17, artilheiro e prémio de melhor jogador do campeonato no Chile. Impressionou com golos e jogadas plásticas, como a sequência de três chapéus na partida contra o Paraguai. Foi nesse ano em que entrou para a lista de melhores do mundo até 21 anos, em 39º lugar, segundo o jornal britânico "The Telegraph". E foi ainda o ano de uma negociação histórica.
Ainda aos 16 anos de idade, "Vini", como é chamado pelas pessoas próximas, foi vendido por 45 milhões de euros pelo Flamengo ao Real Madrid. Esta foi a segunda maior transferência da história do futebol brasileiro. O negócio só ficou atrás da venda de Neymar do Santos para o Barcelona. Mas Vinicius permanece como o mais caro a ser negociado até os 19.
FONTE: TribunaExpresso